Tira Este Ódio do Seu Coraçãozinho!!

Evandro pegou uma carona até a oficina, onde resgatou o Astra da esposa. De lá, foi buscá-la no trabalho e aos filhos na escola. Chegando em casa, as crianças contavam as aventuras do dia, mas ele já não ouvia mais nada. Seu Vectra verde escuro novo e reluzente, estacionado ao longo do meio fio em frente ao prédio estava completamente arranhando. E, quando digo completamente, é completamente mesmo: portas, capô, teto, vidros, faróis... alguém havia, deliberada e criteriosamente, despendido um tempo laborioso com o objetivo de destruir-lhe o patrimônio.

Em pânico, silenciou as crianças, entrou rapidamente na garagem e subiu para o apartamento. No elevador, calculava o saldo bancário e a possibilidade de se mudarem dali. Um estrago daquele nível demonstrava um ódio tão sincero e definitivo que temia pela integridade de sua família. Tentava em vão lembrar-se de algo que pudesse ter feito a algum vizinho ou aos empregados do prédio. Sondou a esposa, embora estivesse certo de que ela, um doce de pessoa, jamais seria capaz de provocar tal ira. As crianças, igualmente, muito educadas e passando a maior parte do tempo na escola e em atividades extra-escolares, jamais poderiam ser alvo de tanto rancor. Incapaz de atinar com o motivo da exagerada represália, resolveu investigar. Na manhã seguinte saiu perguntando: os porteiros não haviam visto nada, bem como os vizinhos mais chegados. Viu, então, uns molecotes que estavam sempre debaixo do bloco, em jogos e brincadeiras. Perguntou:

- Vocês viram quem fez isso no meu carro?

- Não!

- Não vimos!

- Não sabemos!

- Nem idéia!!

- Que carro?

- Hein!?

A lei do silêncio imperava forte. Resolveu apelar:

- Dou R$ 100,00 pra quem me disser quem foi.

Nada...

Desanimado, despediu-se dos garotos e caminhou na direção do carro. Ia ensimesmado, cabisbaixo e não percebeu o pequeno vulto que o seguia de perto. Somente quando a vozinha fina o chamou é que se deu conta:

- Tio?

Assustado, virou-se para trás e deparou-se com o menino.

- O senhor vai mesmo dar os cem reais?

- Dou sim! - respondeu, animado.

- Eu sei quem foi. Mas ele já está arrependido.

E o levou até um outro garoto, que confessou o crime e confirmou o arrependimento.

- Mas, por quê? – ele perguntou.

- Eu confundi seu carro com o outro. – respondeu, encabulado.

Foi quando caiu a ficha. O outro era o Vectra azul marinho do síndico. E o pestinha desembuchou a história toda. Estavam brincando de pique entre as pilastras e, algum dos amiguinhos derrubou um vaso de plantas, espalhando terra por todo o piso. Do nada, surgiu o síndico brigando com ele. Puxou-o pela orelha, acusando-o da sujeirada e ignorando seus protestos. Sentindo-se injustiçado, o pequeno partira para o revide. No carro errado.

- Mas precisava estragar tanto, meu filho? Você desenhou uma renda portuguesa no meu carro!!!

- Ah! Tio! Eu tava com tanta raiva que ia pôr fogo! Só não pus porque o Paulinho me convenceu...

Paulinho era o dedo duro.

Problema esclarecido, o pai do menino pagou o conserto do carro. Coçando a cabeça, assinou os cheques polpudos e os entregou a Evandro, conformado:

- Podia ser pior, né? Ele ia pôr fogo...

Você, meu caro leitor, deve estar pensando:

- Mas este pai é mesmo um banana! Eu teria dado tanto cascudo neste moleque que ele ia ficar uns dois centímetros mais baixo!!

Aí, voltemos ao título desta crônica:

- Tira este ódio do seu coraçãozinho!!