COISAS PARA SE TER EM MENTE EM MEIO AO DESERTO
“Há tempos são os jovens que adoecem
há tempos o encanto está ausente
e há ferrugem nos sorrisos...”
EXISTEM COISAS sobre as quais eu preferiria não falar. Mas as coisas mudam. E eu me sinto quase na obrigação de dizê-las.
Não suporto opressão. Nenhuma forma de opressão.
Vivo numa república democrática onde tenho direitos garantidos pela constituição, direitos esses que às vezes (em boa parte das vezes) vemos desrespeitados.
Então, de uma hora para outra me cerceiam o direito à voz. Proíbem-me de trabalhar, fecham o semblante, não há diálogo. E tudo, por vaidade pessoal.
Tenho saboreado o gosto amaro desta “ditadura disfarçada” que impera nessa cidade, com certa repugnância e uma irritação permanente que às vezes beira o insustentável.
Posso arriscar-me a dizer – e com certeza vou errar muito, muito pouco – posso dizer, que vivo numa cidade de mentira. Uma cidade quase fictícia, com suas multinacionais imponentes e distantes, suas praças com fontes de água não tão límpidas, seu centro comercial com fachadas novas, asfaltos novos e canteiros de gosto arquitetônico e paisagístico duvidoso.
Uma cidade dormitório, que fala outros idiomas e onde não se criam raízes porque as árvores da tradição não são (ou não conseguem ser) frondosas.
E temos também uma cultura fictícia, quase inexistente, abalizada por uma instituição comprometida com o próprio umbigo onde prima-se pelos números, vastos números, e uma estranha postura elitista.
E os artistas que nesta cidade habitam também são quase fictícios, com seus umbigos reluzentes. Alguns se acham os tais. Estrelas cintilantes no meio do deserto.
Na minha cidade, o solo é árido há anos. Tudo o que se planta não floresce.
Minha cidade fictícia é uma cidade que não mais sorri, é uma cidade de pessoas distantes, ausentes, com ferrugem no sorriso, pessoas que não se encontram simplesmente porque há muito tempo já não há onde se encontrar.
Não quero falar sobre tudo o que já foi dito.
Espero que a ditadura acabe logo.
Wallace Puosso
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