O Sobrevivente- Memórias de um jovem.
Nasci de uma união sem laços. Minha mãe, mulher que não cresceu com as experiências, ao receber a notícia de que tinha um bebê que ia precisar de cuidados especiais, assustou-se e deixou de me visitar no momento que eu lutava para sobreviver. Após oito horas do meu nascimento, passei por uma cirurgia e até hoje tenho uma cicatriz que impressiona pelo tamanho. Nasci com a medula exposta, e como sofria o risco de contrair várias doenças, os médicos decidiram pelo único meio que me daria condições de sair com vida.
Quando recebi alta, minha mãe não conseguiu lidar com um bebê que chorava sem parar, pois todo movimento me causava dor. Ela me levou até a casa da minha avó materna e pediu que ficasse comigo.
Fui criado com muito amor. Ensinaram-me a amar a minha mãe que me colocou no mundo, as muitas mães que tive( a minha avó e minhas tias).Nesse novo lar recebi o que minha mãe não poderia me dar, pois ela era muito carente.Todo tratamento médico necessário me foi possível, mas a dificuldade que eu passava, juntamente com as pessoas que cuidavam de mim( todos lutavam vinte e quatro horas para que eu vivesse), ia aumentando em proporção que eu crescia. Minha nova família descobriu que eu não poderia andar, e foi em busca de instrumentos que facilitassem minha vida: tutor, cadeira para banho, cadeira de rodas, entre outros. Passei por vários especialistas. E o que me vêm à memória, era que tudo isso aconteceu quando a minha nova família não tinha um carro próprio, toda vez que ia para o médico ou para qualquer outra atividade, quando era pequenininho ia de ônibus, e quando fiquei muito pesado, todos se esforçaram e alugava um taxi, aonde um motorista já contratado vinha nos apanhar em casa. Não sei calcular o sacrifício que fizeram para custear minhas despesas que até hoje são muitas. Só tenho uma idéia de que abriram mão de muitas coisas para que tivesse o que tenho hoje, e ser o que sou hoje.
Problemas decorrentes da minha deficiência foram aparecendo: infecção urinária, não ter o controle urinário e intestinal, coluna ficando cada vez mais torta e afetando outros órgãos. Mas os problemas ainda eram mínimos em relação aos que foram aparecendo quando ingressei na escola. De todos os problemas os que mais me marcaram: o preconceito e o despreparo de muitos que recebem o título de educadores. Fui rejeitado, humilhado, ignorado, maltratado de todas as formas. Mas por ter tido uma família que me ensinou a viver por etapas, sem esmorecer diante das barreiras, cheguei contra todos os diagnósticos e predições, aos quinze anos e estou concluindo os estudos (Normal) e me preparando para prestar o vestibular para Psicologia.
Os órgãos públicos ignoram pessoas que são Especiais. Não tenho meus direitos respeitados. Não posso transitar nas ruas porque não há calçamento apropriado para quem usa cadeira de rodas; não posso entrar em todos os prédios e locais públicos porque a maioria foi construído para pessoas que podem se locomover sem limitações como as que tenho. Sou um jovem que tem prazer em viver, mas quando desejo sair com meus amigos fico limitado a ambientes fechados como um shopping center. E a maioria do tempo que disponho, fico preso a web ou viajando nos livros. Por falar em livros, esse é o único caminho que tenho, e aonde não encontro limitações, nem barreiras para as minhas andanças, coisas que minhas pernas não me permitem fazer.
Tenho orgulho em dizer que já recebi até uma homenagem do Presidente Lula. Venho de uma família pobre que se esforçou a aprender a pescar e ir a procura do peixe, e que nunca em momento algum esperou que o peixe chegasse de mão beijada. Cito esse ditado popular porque às vezes alguém confunde uma história de luta e superação com uma história de choramingo e apelação.
Tenho sonhos e esperança. Vivo dilemas, inquietações e temores, mas desde cedo me ensinaram que há um Deus nos céus que reina e que por isso mesmo tem o controle de tudo. Ele é meu Dono e meu Senhor.
Quando Ele levou meu avô que tenho como meu pai, sofri muito. Tentaram esconder de mim aquele momento, mas a porta do quarto onde me colocaram estava aberta e eu pude ver pelo espelho quando o colocaram no caixão. Eu tinha apenas quatro anos, e foi a primeira e pior experiência que passei na minha vida, pois as outras estavam ligadas a dor física e essa alcançava a minha alma, pois parte de mim estava sendo tirada. Vi minha avó que era tão enferma e cansada, se fazer de forte e tomar a rédea da família. Superando suas limitações demonstrou que faria de tudo para nos proteger, a mim e as suas outras filhas, como uma galinha que abre as asas e abriga seus pintainhos.
Minhas tias se desdobraram para me dar o melhor e se sacrificaram por me amar. Mas Deus não esquece os filhos seus e hoje, mesmo já passados tantos anos, vejo essas abnegadas tias se formando, coisa que no passado seria impossível porque elas abriram mão do que almejavam para me proporcionarem uma vida que eu não teria sem esse sacrifício.
Nessa caminhada, fiz amizades, descobri pérolas, vivenciei momentos bons e maus, porém percebi ao escrever essas linhas que minha história não termina aqui. Pelo contrário, está apenas começando.