Cotidiano
Olhou o cano da arma apontada para seu peito. Fez pouco caso, levantou os olhos para o dono da mão que a segurava e enfrentou:
- Então atira.
- Como assim ? – o sujeito estava estupefato.
- Atira.
- Não.
- Não ?
- Não, pô. Me dá a grana.
- Que grana ? – a expressão patética em seu rosto era a mesma que um selvagem da Patagônia faria se alguém perguntasse a ele: “Tem celular?”
- O din...dinheiro que você ta...tá...Me dá caralho!- o bandido estava confuso, assustado.
- Tá gaguejando por quê ? Quem tem uma arma apontada para o peito sou eu. Você está do outro lado do gatilho. – falava com a calma de um monje, pontuando cada palavra.
- Cara, tu quer morrer ? Quer virar comida de vernes ?
- Vermes. – o semblante era impassível.
- O quê ?
- V-E-R-M-E-S. - Soletrou calmamente. Se diz vermes e não vernes. – acentuou cada sílaba como se explicasse a uma criança.
- Caralho maluco ! Tú é doido demais! Me dá o piche que eu vazo, tu vai pro teu barraco e eu pro meu!
- Tira o caralho da bo... – parou no meio do gracejo.
Saira do serviço mais tarde aquele dia. Culpa da papelada que Souza depositara em sua mesa faltando menos de uma hora para encerrar o expediente. Adiantou o trabalho o máximo que pode e foi o último a deixar o prédio. A rua vazia era propícia para um assalto, e era exatamente nisso que pensava quando desceu as escadas e fora abordado pelo sujeito, que agora lhe apontava um .38 no meio do peito e exigia dinheiro. O bandido provavelmente estivera durante horas esperando alguém passar pela rua escura e mal movimentada e, obviamente, tinha que ser ele o azarado.
- Seguinte mano. Tú larga mão de desbaratinar o baguio pro meu lado. Num ligo não. Te dou uns pipoco nessa fuça de preiba, pego a grana e vazo. Pensa que to de trema ?
- I don’t understand, bad guy!
- Tú tá me zoando preiba! – o cano da arma bateu em seu peito.
- No entiendo.
- Mano, vou te furar. - Os olhos injetados de ódio faiscavam.
- Mata.
- Como assim?
- Mata, ué. Coloca esse projétil no engomadinho aqui, assim eu paro de dificultar a situação pro seu lado e você pode ir para sua casa. Mas acho que você é covarde.
- Covarde ? – o assaltante estava vermelho de raiva. Quem aquele cara pensava que era ? Todo mundo tinha medo de levar um tiro. Ele queria morrer ? Era um suicida em potencial ?
- Se você atirar é só pegar o dinheiro e acabamos aqui. E esse nervosismo é prejudicial à saúde. Coração não agüenta, heim.
O Assaltante tirou a arma do peito da vítima, abaixou os braços, desconsolado. De cabeça baixou resmungou:
- Vaza.
- Como assim ?
- Rasga daqui maluco.
- Vai desistir da grana ?
- Do jeito que ta bolado pro nosso lado vou ter que sair dessa vida e procurar outro trampo. Falou preiba.
- Boa noite. Até outro dia! – Saudou com a mão levantada, um sorriso no rosto.
- Espero que não, mané. - resmungou o frustrado.
Assaltante e vítima tomaram direções opostas. O bandido colocou a arma no bolso; coçava a cabeça com a outra mão, tentando entender o que fizera errado, nunca vira alguém tão maluco. A vítima caminhou alguns passos e parou, olhou em volta. Procurou em toda extensão da rua. Irritado, jogou a maleta que carregava no chão:
- Caralho ! Roubaram meu carro !