AS FÉRIAS DA PERIFERIA ASFALTADA
Pés descalços rasgam o asfalto. Velozes, eles simplesmente vão. Não há para eles nenhum limite entre a rua e a calçada. Só o que os interessa no momento é um pedaço de papel, preso por uma vareta e uma linha, que está enroscado nos perigosos fios que geram eletricidade. Mas nem isso importa. O objeto de desejo é o pedaço de papel, vendido em diversas cores, por dez ou vinte centavos na vendinha na esquina. Não. Perseverantes, eles seguem na árdua missão de desvencilhar aquele, ainda que esteja preso pelos fios de alta tensão, ou que para conseguir o intento, seja preciso atirar pedras nos telhados da vizinhança, incomodando o descanso de quem trabalha duro um ano inteiro e tenta desfrutar de um tanto de paz.
Há ainda outros pés. Os que chutam as bolas ovais, nunca nos muros de suas residências. Os muros mais visados são os das casas vizinhas, já que a família deles detesta barulho. Por falar em barulho, também existem ouvidos mais do que potentes, capazes de ouvir aquilo que denominam música, num grau que talvez nem tenha escala no botão do rádio que define o volume. Ouvidos costumam ser companheiros na periferia. Compartilham até mesmo o som com o bairro, sem importar- se com o gosto dos amigos. Ouçamos todos a mesma coisa. Não é preciso gastar energia elétrica. A conta sai muito cara.
Há ainda as sonhadoras mentes infantis, que se veem vestidas nas grifes dos famosos, passando férias nas ilhas paradisíacas mundo afora.
A realidade mostra, entretanto, as sofridas férias escolares da periferia asfaltada. Pés que chutam bolas, correm desesperadamente atrás de pipas, mãos e mentes desocupadas, pais ausentes...
Férias! Férias escolares, de um ano exaustivo. Ou talvez nem tanto. Afinal, basta um passeio até a escola para passar de ano. Aprender é um mero detalhe. Vale mais ir passear pelos corredores dos pátios, depredar a instituição pública, que a verba popular mantém com sacrifício, xingar o professor, quando este tenta cumprir seu dever de ensinar. Raciocínio brilhante: Sem reprovações. Progressivamente o aluno vai tomando gosto pela escola. Não se pode forçar a criança a aprender. Ela precisa querer estar na escola, não necessariamente na sala de aula.
Enquanto os filhos curtem as merecidas férias, os pais rezam dia a dia para que voltem as aulas, porque a missão de educar e formar cidadãos responsáveis não lhes cabe. O professor é que tem de se virar. De presente, o descaso da sociedade!
Mais do que reclamar a falta de oportunidade, temos de nos esforçar para mudar esse quadro, sem fugir da dificuldade, buscando o subterfúgio do desculpismo da infelicidade, da vida desditosa ou da falta de sorte.
Pintar outro retrato, escrever uma história melhor, com um final sempre feliz para a socidade, depende de um esforço coletivo, a fim de despertar consciências adormecidas.