Moça bonita
De Edson Gonçalves Ferreira
Para Arlindo Ferreira (meu pai), Armando Fonseca,
Joaquim Martins Lara e Salin Ayres da Silva
A casa antiga de meus pais na Avenida 21 de Abril, em Divinópolis, com seus figos, marmelos, mangas, laranjas, pitangas, mamões: uma ventura e ternura. Meu pai Arlindo Bigode e sua marcenaria e sua música e minha mãe Anita, com seu trabalho encantado de dona de casa, uma verdadeira economista, uma fada para transformar a realidade em pura magia.
De um lado, morava: Sô Armando Fonseca, o homem das moças bonitas. Por quê? Explico depois, certo? Era casado com Dona Geralda e, do outro lado, morava meu padrinho e meu avô postiço Sô Joaquim Martins Lara, o primeiro Juiz de Paz de Divinópolis. Ainda tínhamos como vizinhos: o músico e barbeiro Salim e Dona Jovem Ayres da Silva, Dona Ritoca, Dona Vitalina com seus familiares. Todos gente do nosso coração até hoje.
Os dias eram todos encantados e, mesmo assim, não percebíamos o quanto éramos felizes. Quando se é muito feliz, às vezes, não se percebe. Havia fartura nas casas, sobremaneira de afetos. Não me esquecerei jamais dos saraus na marcenaria do meu pai.
A fina flor da música divinopolitana e os intelectuais se reuniam no fundo da minha casa. Lembro-me, perfeitamente, da figura de Petrônio Bax, o pintor, passando pela escada onde, agachado num banquinho, eu, criança, já escrevia minhas crônicas no meu diário e tinha até secretária: a Luzia Fonseca que, para isso, trancava-se no quarto comigo e era um desespero para Dona Geralda.
Voltando aos tempos de ternura, quantas saudades de minha mãe fazendo doce-de-figo, caçarola italiana, tachos de doce-de-leite e, depois, a disputa para ver que iria rapar o tacho. Estou com a boca cheia d´água agora. E o doce-de-arroz doce? Só pedindo aqui para Marilda Teixeira, minha amiga de infância, faz um pouquinho pra mim, faz? Por causa dos pudins, minha irmã Leo ganhou o apelido de Pudim Véio.
À tarde, os nossos pais se reuniam na calçada para um bate-papo. Lembro-me, perfeitamente, da Tia Nininha conversando com Mamãe, Papai com Salin e Totonho Machado, Dona Ritoca com Dona Jovem trocando receitas e Sô Armando olhando nós, os meninos, a brincar. Ele chamava todas as moças de “moças bonitas”. Não se importava se eram feias, para ele todas eram bonitas e, quando ficou viúvo, brincava que iria se casar com todas. Era jovial, feliz. Foi um grande ferroviário e uns dos construtores da locomotiva Maria Fumaça que, hoje, está em exposição no bairro Esplanada, em Divinópolis.
Tempos felizes, ah, minha gente, como eram!... Não havia maldade na cabeça de toda a gente. Onde foi parar a inocência daquela época? Onde foi parar a ternura daqueles tempos? Só sei que meus amigos de infância continuam fiéis e, quando nos vimos, vira festa. Sô Armando tinha razão: é bom ver uma moça bonita e um moço bonito também, né não?
Divinópolis, 03.01.09