Explicando
 
Fiquei maravilhada com um conto que eu estava lendo: O Forrador de Papel, de William Gay, na antologia Mistério a Americana, organizada por Lawrence Block, vol. 2, bem superior ao volume 1. O próprio autor o descreve como um conto de fadas gótico, seja lá o que isso for. Conta também de onde surgiu a sua inspiração. A história relata o desaparecimento de uma menina em plena luz do dia e os esforços feitos para encontrá-la e o conseqüente caos em que se transformou a vida das pessoas. Quando acabei fiquei pensando em uma história que vivi: Terezinha trabalhava na casa de meus tios. Eles viviam em nossa antiga casa, onde passei a minha infância. Um dia, após ter saído de lá já há algum tempo, voltei para a minha pequena cidade. Cheguei pelo trem, junto com meu irmão Ronaldo. Quando o trem apareceu na curva, os moleques que viam o trem passar começaram a apontar para mim e correram seguindo o trem, até a estação. É ela, eles diziam e só fomos compreender a razão do alarido quando descemos na estação e nossos parentes nos contaram o que havia acontecido. Terezinha havia desaparecido e quando me viram pensaram que eu fosse ela. Esta parte que narro no conto Quando Pepê desapareceu é verdadeira. O caso é que após uma noite de terror o corpo foi encontrado boiando em uma lagoa imunda, os longos cabelos espalhados sobre as águas e um monte de histórias passou a circular.
O acontecido muito me impressionou e tornou-se tema recorrente em meus escritos, inspirando alguns poemas e até a criação de um personagem em meu romance O Cachorro Amarelo, primeiro de uma trilogia incompleta e inédita. Terezinha transformou-se em Tereza e passou a viver em meus pesadelos. Sua morte até hoje é um mistério. Mais uma vez relembrando a sua história eu resolvi escrever a respeito. Foi daí que surgiu o conto: Quando Pepê desapareceu. Aliei a história as minhas lembranças da Recoleta, cemitério em Buenos Aires, onde Evita Perón foi enterrada. Quando o visitei fiquei impressionada com algumas das histórias que ouvi e que guardo até hoje. Resolvi então levar o corpo de Pepê para o cemitério.
 
Bem, alguns de meus leitores amigos deixaram em seus comentários a indagação: como Pepê foi parar no túmulo vazio? Quem matou Pepê? Ela foi enterrada viva? Só uma coisa eu posso dizer – depois que escrevi a história, ela deixou de ser minha. É de quem a ler. Porque acredito piamente nisto: uma história depois de escrita passa a pertencer a quem a lê. É claro, eu tenho as minhas teorias. Sobre a morte de Terezinha, afogada em uma madrugada fria, em Arantina. Sobre a morte de Teresa, também afogada em uma madrugada fria, em Morro Alto. E sobre Pepê. Mas se eu contar a minha teoria o mistério se esvai e a história perde totalmente a graça. No entanto quem a leu ou vier a ler, poderá simplesmente criar o final mais condizente com sua própria experiência de vida e imaginação. Bem eu não sou pretensiosa, mas acho que o exemplo que vou citar é bem pertinente e voltou com toda força ano passado (tão longe, já) durante as comemorações machadianas: afinal, Capitu traiu ou não Bentinho? Os românticos dirão que não, os cínicos dirão que sim, mas o mistério perdurará para sempre. Talvez  por acreditar nisto é que eu sou uma leitora minuciosa. Quando um texto me intriga procuro ler outros textos do autor para conhecê-lo melhor. Calço os seus sapatos para sentir o seu sentimento e tentar descobrir o que foi que o levou a escrever daquela forma. Porque sei que a história não precisa ser real e verídica, não precisa ter acontecido com quem a escreveu. Mas sei também que o escritor acaba deixando ali um pedaço do seu eu verdadeiro que muitas vezes até ele desconhece.Mas por mais que eu tente me integrar a mente de qualquer autor, para decifrar o que ele quis dizer, é a minha mente que lê e muito do que penso vai se misturar ao que pensa o autor criando uma nova realidade.
Disse acima que sou uma leitora minuciosa. Mais uma vez, esclareço: sou pisciana e sei nadar em direções opostas. Também sei fazer leitura dinâmica. Se não soubesse talvez não conseguisse ler a metade do que leio. Um terço. Não precisam, pois ficar com medo de que eu fique esmiuçando os textos de vocês em busca de suas almas. Eu apenas os leio, comovo-me, sinto a sua qualidade e os comento. Faço os comentários em cima daquilo que mais me tocou. E como alguns textos de vocês me tocam...