Réveillon, 
        pedidos e flores




     Entrei em 2009 sob intenso tiroteio!
     Disse isso por aí, e um amigo logo perguntou: "Ô, seu Réveillon foi no Rio de Janeiro?
     Respondi-lhe que não; e que não saíra de Salvador. E ele: "Ainda bem!"
     Impressionante! É falar no Rio de Janeiro e, imediatamente, o cidadão liga a Cidade Maravilhosa às metralhadoras dos bandidos. Uma pena!
                               ***
     Davi e Catarina, meus netos, nasceram no Rio de Janeiro e moram em Copacabana. Vez em quando, pinto por lá.
     Quero dizer, que nessas minhas andanças pelo Rio, nunca presenciei um único tiroteio.
     Pode ser coisa do meu Anjo de guarda no qual, a cada momento, descubro qualidades de um camarada muito legal.
     Basta dizer, que nunca levei um grande ou pequeno susto nas vezes - e foram muitas - em que precisei atravessar a Linha vermelha, para chegar ao Tom Jobim.
     Também costumo lembrar, que, no Rio, o único morro que subo é o Corcovado. Lá, o Cristo está sempre a me esperar, e de braços abertos.
                              ***  
     Disse, no início desta crônica, que entrei em 2009 sob intenso tiroteio. Não foi um tiroteio
     Quis me reportar ao foguetório  que, durante mais de vinte minutos, iluminou a orla e o céu de Salvador, na virada do ano.
     Vendo os fogos explodindo, me fiz esta pergunta que, sei lá, pode não passar de uma incomensurável bobagem: será que esses fogos não estão assustando nossos peixes? E até lhes tirando o sono?
     E fiquei a profetizar: um dia, quem sabe, os peixes vão protestar.
     Como? Desaparecendo, fugindo pra bem longe, para desespero dos pescadores que, no dia primeiro, lançarão suas redes no mar vazio.
     Pensei: dever-se-ia pelo menos diminuir o tempo e a intensidade do "tiroteio", na saudação ao Ano-Novo.
     Robalos, vermelhos, lagostas, camarões, dourados, cavalas, etc. etc., agradecerão.
     Perdoem-me se acabo de escrever uma tremenda asneira. Devaneio de fim de ano? Ou exagerada preocupação de um pisciano convicto?
                               ***  
     Esqueço o foguetório, e passo a falar sobre as devotas de Iemanjá dizendo que moro quase na beira da praia. 
     De minha varanda, na noite de 31 de dezembro, as vejo chegando ao mar.
     Vestidas de branco, levam presentes simples e flores cheirosas para o seu Orixá.
     É comovente ver a fé dessa gente.
     Principalmente aqui na Bahia onde é enorme a força do Candomblé.
     E não são somente as mães, pais, filhos e filhas de santo que cumprem este ritual, no último dia do ano. 
     Ao lado deles e com eles estão pessoas de considerável poder aquisitivo e de diversos credos; inclusive católicos fervorosos.
     Assim, enquanto rola o clima da passagem do ano, devotas com flores, muitas flores; pedidos, muitos pedidos; promessas, muitas promessa continuam invadindo o mar de Salvador. 
     É um espetáculo!  Assisto-o todos os anos, com respeito e compreensão.
                               ***  
     Quando cheguei em Salvador, vindo do Ceará, aproveitei um desses Réveillons, saudei Iemanjá - Odó-Ìyá - e lhe levei duas cestas de olorosas flores.
     Baianas experientes me ensinaram que, na hora de lançar as flores nas águas,  fizesse um pedido à rainha do mar. Obedeci.
     Nas pétalas de viçosas palmas de Santa Rita depositei meu pedido.
     Em seguida, as joguei no mar de Itapuã.
                                 ***   
     Iemanjá, até agora, não se manifestou!
     Não deve ter acreditado na devoção deste cearense, desacostumado a lidar com os Orixás.
     O silêncio de Iemanjá não me preocupa: o pedido que lhe fiz pode ser atendido até depois de minha morte.
     Alguém sabe disso...
   


 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 02/01/2009
Reeditado em 17/12/2020
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