Um ano novo diferente
Arranjava uma casa, um clube ou uma cidade para romper o ano novo. Escolhia invariavelmente uma cidade mais agitada, um clube em evidência ou uma casa – não precisava ser necessariamente de família – em que pudesse conhecer pessoas importantes, influentes ou famosas.
Fiquei nessa vida nove ou dez anos. O tempo foi passando, a idade chegando, os hábitos mudando e eu continuando a freqüentar lugares que pudessem dar visibilidade. Durante esse tempo de festas intensas, principalmente as de fim de ano, conheci várias mulheres. Se pudesse, cantaria aquela música do Martinho da Vila e, mesmo assim, a música seria pouco para descrever a diversidade.
Mas, assim como na música de Martinho da Vila, conheci uma mulher que sabia me fazer feliz. Somente ela sabia me fazer feliz. Conversávamos, jogávamos baralho juntos, caminhávamos de manhã cedo, viajávamos para cidades da região e, quando o dinheiro dava, para cidades e estados mais distantes. Em cinco meses de namoro vivi mais feliz do que em vinte anos de farras, de balbúrdia e de baderna.
Como eu descobri que aquela era a mulher da minha vida?
Aconteceu numa festa de ano novo. Combinei de passar às dez e meia na casa dela. Ao buzinar, saiu num vestido branco lindo harmoniosamente entrelaçado às sandálias brancas e à tiara de pequenos brilhantes. Pôs-me uma venda nos olhos, assumiu a direção, disse para não me impacientar, que me levava para o melhor ano novo que eu já comemorara.
Depois de algumas voltas, paradas, entradas, desvios, senti que o carro subia numa espécie de garagem cuja rampa, em virtude do esforço de minha namorada na direção, parecia estreita ou inapropriada. Sobe, desce, desliga o carro, liga o carro, muda de marcha, entramos no estacionamento onde, retirando minha venda, sorriu ingenuamente.
Quando me disse que faria uma surpresa, pensei que algum cantor ou grupo musical famoso estivesse na cidade, um líder religioso que me colocaria nas primeiras páginas dos jornais, um jogador de futebol (também poderia ser um de basquete, de vôlei ou de pólo), um ator ou apresentador de televisão e, em último caso, uma celebridade instantânea ou um político corrupto (o que importava era estar onde fosse visto). Quando a luz fraca bateu nas minhas vistas, descobri que estava num lar de idosos.
Perguntaria se aquilo era uma piada ou uma pegadinha. Diria que brincadeira tinha hora e que precisávamos correr se quiséssemos encontrar um bom lugar para passar o réveillon, mas percebi, pelo olhar dela, que não se tratava de piada. Calmo, perguntei o que faríamos ali.
- Eu não prometi a melhor festa de fim de ano?
As palavras dela transformaram-se em sinos violentamente batidos perto de alguém com enxaqueca. Encenei um sorriso pensando que noite maravilhosa estaria perdendo com aquele pessoal. Inventava uma desculpa para os amigos no momento em que, acenando da cozinha, colocou um avental, um chapéu engraçado e disse que eu distribuiria arroz e frutas.
Bufava de raiva, vislumbrava palavrões, preparava-me para mandar todo mundo para o inferno quando uma senhora, apoiando-se na bengala e segurando um prato de quitutes, escorregou e se desequilibrou. Pulei a mesa, coloquei-a nos braços e corri para meu carro, gritando para que abrissem caminho. À porta, minha namorada segurou-me. Que me acalmasse. Apenas uma queda.
A mulher confirmou. Não precisava ir ao hospital, mas antes de se dirigir a enfermaria para um exame geral, agradeceu-me e desejou-me feliz ano novo.
Saí em direção à árvore perto da qual estacionara o carro. Chorei. Chorei muito. Chorei até soluçar insistentemente. Quando Mariana, minha namorada chamava-se Mariana, aproximou-se, falei por algum tempo da saudade de minha avó, de minha mãe e de meu pai. Não poderia vê-los mais.
Retornamos ao refeitório. Um por um, abracei todos os hóspedes do alojamento senil.
Semanas depois, por meus ciúmes e por minha incompreensão, Mariana partiu. Quanto tempo faz isso? Não sei. Sei que, como ela me assegurou, aquele fora o melhor ano novo de minha vida.
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 31 de dezembro de 2008.