Amante imaginária
Foi no tempo da reforma ortográfica que Matilde cismou outra mulher rondando sua vida. Duplicando a sua rotina. Romeu estava lhe traindo e todos sabiam. Disseram que apareceu com uma beleza de criatura na rodoviária. Beijaram-se em público como um casal enxodozado. Depois desapareceram. Ele para o mar. Ela rumo ao norte. Mulher de corpo escultural e de esplêndida beleza lasciva.
Estranhou uma reunião de duas semanas no Rio Grande. Depois quando se embelezava não ouvia mais nada. Ia mudando tanto que decerto Romeu passou a não dar bola. Resultado da atração exercida pela mudança seletiva de cores e tons. Queria atrair para si um tipo de atenção afetiva da estética. Outras se largam de vez, ela não.
O tempo de convívio impedia uma ação imediata. Morreria se tivesse de enfrentar um advogado espartano para dividir a conta do amor ao meio. Era-lhe medonhamente triste a paisagem lunar sem o companheiro.
As amigas de missa e sala começaram a vigiar os passos de Romeu. Agora Romeu possuía um harém e ela não sabia. Tornara-se mãe de marido coletivo, depositando vestígios na casa alheia. Estava errada. Devia sumir da vida dele ou pior, muito pior, aconselhava a amiga Gertrude com olhos de maldade.
Havia perdido o rumo. No passeio quando alcançou a Rua Vinte e Quatro de Maio observou longe o marido entrando num lugar com máquinas. A amante imaginária lhe perseguia. Ou seriam amantes? Romeu era shakeaspereano, pacato, mas shakeaspereano!
Afinal admirava o marido de fé, cumpridor do horário, da fisionomia de um amor só e lhe devotava respeito. Morreria se descobrisse dessa realidade imaginária algum fato concreto: o esposo em franca devassidão. Pôs-se a frente do comentário dos vizinhos parlapatões. Pôs-se a frente das amigas desocupadas. Exorcizou os vândalos da felicidade alheia, rápidos e faiscantes. Aos poucos dispensou a presença das amigas da onça, dignas do Péricles de Andrade Maranhão. o seu Romeu ia ao trabalho e voltava sempre no mesmo horário. Comia as panquecas de siri com gosto. (O duplo apetite é senha revelada dos amantes incautos). Apenas ficava mudo quando ela trocava o cabelo.
Começou a andar em torno do tema enquanto surtiam nas novelas traições devastadoras. A expressão de pasmo de Romeu livrava-o de todo mal. A expressiva calmaria humilhava os dramalhões. Estavam unidos e se amavam. Na pior fase do tormento pensou em lhe dar autorização para amar como um doido. Ele poderia sair e voltar à hora que bem quisesse. Rondar com quantos tipos de perfumes fosse capaz de suar nas roupas que ela cuidava com zelo. Era melhor do que contratar detetive ou advogado espartano. Ou pior, como queria Gertrude, dar-lhe um espantoso murro de adeus por diversão.