Dinheiro?

É. Parece que passarei boa parte do verão dentro da minha casa lendo, escrevendo e vendo televisão. E não fossem os trabalhos que farei fora de casa com vídeo junto a um amigo, eu diria que minhas férias estariam muito próximas de uma pequena tragédia pessoal. Trabalho é bom. E a essa altura é melhor eu ver mesmo o trabalho como algo super positivo que é. Pois quanto às minhas almejadas férias... Férias? Que férias?

Desânimo? Desilusão com a vida cotidiana? Medo de ser feliz? Falta de grana? Falta de grana é uma resposta importante, dentro das possíveis. E posso ponderar o seguinte: ler, escrever e, até mesmo ver televisão, podem, sim, ser coisas muito atraentes e ricas em prazer e construção. Não são desculpas pra quem está imobilizado. Pois estou mesmo imobilizado. Meu carro está quebrado na garagem, estou com a carteira e a conta corrente vazias – portanto quebrado – e há outras coisas quebradas ainda, como por exemplo agora, o dedinho da minha mulher. Não vai dar mesmo pra ficar saindo de casa. Sou meio que um (pretenso) escritor de merda, pertencente a uma classe “mérdia”. Eu ia já dizendo “...vindo de uma classe mérdia”, mas não disse, pois da merda ainda não saí. Como poderia estar vindo dela? Estou nela. E estou até o pescoço.

Fiquei boladão quando tomei conhecimento de que o grande Mário Quintana morreu na merda. Mário Quintana sempre foi um dos meus poetas prediletos, com seu humor desconcertante em forma de poesia. E há, claro, muitos outros casos de gente muito foda que acabou seus dias na pobreza. E é engraçado como meus heróis pareciam não se importar muito com dinheiro. Ainda que alguns fossem ricos, estavam sempre com um jeito, ou até mesmo um discurso, de quem não se importa com o dinheiro e com os luxos oferecidos pelo capital excedente.

Tenho um currículo artístico de impressionar alguns amigos. Mais de mil páginas escritas – e quase nenhuma impressa. Mais de quarenta canções compostas – e nenhum CD gravado decentemente num estúdio decente, com algo que se possa chamar de uma produção. Gosto de pintar uns quadros e fiz alguns poucos – nessa arte eu não posso me vangloriar, pois, na verdade, faço apenas uns borrões com cores. E uma arte em especial me aborrece pelo meu despreparo em lidar com ela: a arte de ganhar dinheiro. Sinto que estou sempre indo no rumo contrário do caminho pra onde se chega a ele. Somos estranhos que se conhecem apenas à distância. Nos vemos sempre, e apenas, de relance.

Sinceramente... Sinceramente, eu considero um ato de grande coragem eu estar publicando este texto aqui. Uma propaganda negativa, entende? O que vão pensar de mim? E essa choradeira mala... Mas é fogo. O que pode ser mais desinteressante que um artista duro? Duro. Comum. Autor de apenas mais textos que nada acrescentam à literatura. Sem glamour. Sem publicidade... É um tiro no pé. Estou dando um tiro no pé. Alguém que escreva de dentro da cela de um presídio gera muito mais interesse que um escritor pobre e livre. E não se trata de um ex-pobre. Falo de um pobre “in natura”. Pobre escritor. Pobre artista. Pobre artista multimídia. Pobre multimerda. Bem. Sei lá. Quem sabe algum leitor ou leitora comunista se interesse. Acho que, no fundo, eu sempre escrevo pros comunistas.

Em janeiro agora gravo um filme com meu amigo Elano. Serei co-diretor, co-produtor e também ator principal do filme. Será gravado em sistema digital, claro, e é mais uma das minhas várias inserções no caminho contrário da grana. Mas terei muito prazer. No ano que passou ajudei a produzir o filme do Elano que se chamou “Cachorro-quente vodu”, uma comédia de dez minutos de duração. Boa produção. Com boa fotografia... Uma grande realização para um pequeno município como o meu, com menos de vinte mil habitantes. Nossa cidade jamais teve uma exposição na mídia tão grande como agora com esse curta, realizado com recursos da Petrobrás e com exibição no Canal Futura e participação em festivais de cinema. O filme custou, em cálculos nossos, algo em torno de vinte e cinco mil reais. Dos quais, nenhum centavo pra gente. Mas cinema é assim mesmo. Cinema feito por principiantes, nem se fala. Mas realizar algo com uma produção desse nível foi mesmo um ganho enorme e inesperado. E chamo de cinema, sim, pois a palavra vídeo ou audiovisual eu acho “menores” do que foi, de fato, a produção do negócio. E o filme foi lançado no tradicionalíssimo Cine Odeon, no centro do Rio: portanto é cinema. No rastro do nosso bem sucedido filme, temos agora o projeto onde vamos exibir outros curtas na câmara municipal. O objetivo é, além da exibição em si, fomentar a produção de vídeos no município, que nem cinema tem – isto algo bem comum pra cidades pequenas.

Que vergonha. Sinto vontade de apagar o que eu escrevi no começo. Sou um ingrato. Sou, na verdade, um cara cheio de realizações. E ainda um monte de coisas na iminência de serem realizadas. Vivo cercado por pessoas amadas, amáveis e que me amam. “Só me falta-me o glamour”, como diz o bordão humorístico. Aliás, acho que dinheiro é a palavra certa. Mas dinheiro é só um detalhezinho. Eu chego lá. Não lá, lá, lá longe... Mas, pelo menos ali, logo ali, onde está uma merrequinha a mais, eu sei que posso chegar, sim. Dinheiro?