ROLINHA FOGO-PAGOU
Até os 16 anos José Benedito morou num sítio, a sete léguas da sede municipal. A partir de então, mudou-se para Picos. A memória de sua vida no campo era saudosa lembrança de um passado distante. Boas lembranças, aquelas! Nem tanto... Jamais esquecera aquela rolinha fogo pagou que matara. Todo menino caça passarinho... os vizinhos registravam cada ave abatida, fazendo um risco no cabo do estilingue.
A baladeira de Zé Benedito tinha apenas um risco do qual muito se arrependia. (Vergonha profunda que o acompanha até hoje). Tudo aconteceu quando um bando de rolinhas pousou na cerca de rama, uma divisão provisória para separar a vazante das áreas de terra seca, até que o rio surgisse com a primeira enxurrada e levasse tudo embora. José atirou uma pedra no meio da ramagem. Fogo pagou foi alvejada na cabeça... “Ô dó, da bichinha morreu... não dá uma farofa... é tão pequena!”
Dizem que fogo pagou é galinha de Nossa Senhora, se o Benedito soubesse disso, não teria atirado uma pedra na rolinha. Agora, sem jeito, cinqüenta anos depois, conta a história para sensibilizar a criançada a não matar passarinho. Os sobrinhos nunca mataram pássaro algum. Seu filho, nem pensar!
Mesmo temendo os ralhos do pai, certo dia, o filho de sete anos chega em casa trazendo uma rolinha penujando.
- Meu filho, você tirou a bichinha do ninho?
- Não, pai. O pedreiro derrubou uma árvore para construir a casa de “seu” Nezim e tinha um ninho no galho. Ele me deu a rolinha. Posso criar?
- Agora é o jeito! Ela não tem mais ninho.
Imediatamente, Zé Benedito improvisou uma gaiola. Não exatamente uma prisão, mas uma casinha para proteger a ave contra o ataque de algum predador. De dia, a gaiola ficava num galho de serigüela – longe do alcance bichano – à noite, gozava da liberdade de caminhar na casa toda e soltar seu excremento em qualquer lugar. Na sombra da árvore, poucos metros abaixo da gaiola, uma bicicleta... a bicicleta do Zé.
A bichinha cresceu, criou penas no ponto de voar. Zé Benedito convenceu o filho a soltar a rolinha e os dois procuram um bosque afastado da cidade. Contudo, num descuido, fogo pagou alçou um grande voo para a liberdade e pousou numa árvore no jardim de uma escola. E agora – pensou José: “logo que os alunos chegarem, pobre rolinha...”
Chamou o vigia e ambos se empenharam em fazer fogo pagou voar alto e unir-se à comunidade da espécie a que pertence. Tudo certo, a rolinha voou e sumiu no horizonte azulado.
Muitos dias depois, “seu” Zé monta a bicicleta e vai visitar a construção da Igreja de São Judas Tadeu, a meia légua de sua casa. Por acaso, olha para trás. Leva um susto! Fogo pagou está de carona na garupa da monark. Agora é só pedalar, ir mais longe e despedir-se da amiga, num matagal qualquer. Pedalou, pedalou... e ela ali, quietinha. Pois a bicicleta lhe era familiar, crescera vendo aquela geringonça, que agora representava apenas uma lembrança da imagem de seus primeiros dias fora do ninho. E assim, o protetor de passarinhos andou horas a fio pedalando sua monark vermelha, e, finalmente, parou... ”voa bichinha, voa”. Ela se foi. Tomou novos ares e direção ignota.
Como administrador da obra, José se demorou muito por ali, dando orientação aos operários. Enquanto isso, vê dois meninos, cada um com um bodoque e resolve questioná-los.
- Meninos, não vão matar uma rolinha que crio solta por aí!
Um menino olha para o outro, trocam olhares de espanto.
- O senhor cria uma rolinha?
- Criiio, ela é mansa. Não vão matar a bichinha!
Naquele pau, tinha uma rolinha – disse um deles – eu di um tiro nela... ela só olhou... aí eu di outro tiro e acertei. É essa aqui, a rolinha do senhor?
CRÍTICAS/COMENTÁRIOS
Linda a história. A princípio leve e despretensiosa, mas profundo em sua mensagem.LUIZA MOREIRA(email 06.02.09)