O beijo e a carta
...reminiscências
Disse Machado de Assis que "há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique".
Tendes, aqui, meu caro amigo, uma delas...
Eu tinha 19 pra 20 anos quando tudo aconteceu. Deixara o Seminário, fazia pouco tempo.
Ainda inexperiente e um tanto deslumbrado com o "mundo", achava que o coração de uma mulher se conquistava num abrir e fechar de olhos.
Não era como hoje que, com descomunal facilidade se conquista uma mulher!
Minha constatação não é uma constatação leviana. Baseio-me no que, desde longe, venho observando.
Com extraordinária rapidez se namora alguém. E os namorados se agarram, se abraçam e se beijam, publicamente;e até "ficam". Ficam?
Praticam um romance que, pela fartura de afagos, nem sempre chega a um final feliz. Aquele "enfim, sós", é coisa do passado.
Pois é. Na década de 1950, a realidade era outra. Vivi, intensamente, aquele período, apelidado de "anos doirados".
Travava-se o que eu chamo de uma santa batalha, até se conseguir o coração das meninas, umas tímidas, outras castas...
E com um complicador: além de enfrentar a timidez, o recato da mulher desejada, o mancebo ainda tinha que driblar o exagerado cuidado de seus pais , na maioria conservadores, impermeáveis, desconfiados...
Vivia-se o tempo do flerte prolongado; do namoro na porta de casa; e na pracinha mais próxima, desde que bem iluminada.
Cinema, só com uma acompanhante e de extrema confiança!
Era o tempo das saias godê e das anáguas volumosas; impenetráveis... Não era mole, companheiro. Mas era gostoso...
Neste cenário, de repente me vi envolvido num terno e complicado episódio. Uma bela e inocente história de amor, a partir de um beijo que me fora negado...
Não me recordo da sua idade. Sei que ela era bem mais nova do que eu.
Como a conheci? Um dia eu digo...
Entre suas amigas, ela se destacava pela sua beleza bem cearense...
Tentei conquistá-la, mesmo sabendo que não seria uma tarefa fácil. Ouvia que ela tinha "um velho e grande amor".
No entanto, amigas, dela e minha, torciam pelo meu sucesso.
Insisti. Marcamos um encontro.
Confesso que me senti o sujeito mais feliz da romântica Fortaleza dos anos 50.
O encontro aconteceu...
Pedi-lhe um beijo, e ela me negou, delicadamente... Um brusco e profundo golpe...
Despedimo-nos. E nunca mais voltamos a nos encontrar. Mas não a perdia de vista.
Achei, então, que aquele beijo negado não podia ser esquecido...
No dia seguinte ao nosso encontro, escrevi-lhe uma longa e apaixonada carta - Ah, as velhas cartas de amor" - lamentando o que acontecera na noite anterior.
A certa altura lhe dizia: "Ao me negares aquele beijo, aumentou, ainda mais, o meu anseio de um dia possuir-te."
Minha carta (nem ela soube dizer como e por quê) caiu nas mãos de seu pais, que nunca entenderam a frustração que se apoderara do apaixonado missivista...
Muito tempo depois, vim a saber que um erro de interpretação, e só por isso, aquela minha frase, meiga e tão sincera, teria causado a ela imensos dissabores, pois, sua mãe exigia-lhe explicações!
Queria saber o que, afinal, ocorrera com sua filha...
Rigores da época... Meados do século 20.
Anos mais tarde: ela casou com seu verdadeiro amor, realizando, imaginei, o sonho que sempre alimentara.
*** *** ***
Eu guardei esta história, tão bonita, com imensurável carinho, mas sempre achando que, qualquer dia, qualquer hora, deveria divulgá-la.
Faço-o, agora, mais de cinqüent´anos depois daquele encontro...daquele encontro... naquela noite...
...reminiscências
Disse Machado de Assis que "há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique".
Tendes, aqui, meu caro amigo, uma delas...
Eu tinha 19 pra 20 anos quando tudo aconteceu. Deixara o Seminário, fazia pouco tempo.
Ainda inexperiente e um tanto deslumbrado com o "mundo", achava que o coração de uma mulher se conquistava num abrir e fechar de olhos.
Não era como hoje que, com descomunal facilidade se conquista uma mulher!
Minha constatação não é uma constatação leviana. Baseio-me no que, desde longe, venho observando.
Com extraordinária rapidez se namora alguém. E os namorados se agarram, se abraçam e se beijam, publicamente;e até "ficam". Ficam?
Praticam um romance que, pela fartura de afagos, nem sempre chega a um final feliz. Aquele "enfim, sós", é coisa do passado.
Pois é. Na década de 1950, a realidade era outra. Vivi, intensamente, aquele período, apelidado de "anos doirados".
Travava-se o que eu chamo de uma santa batalha, até se conseguir o coração das meninas, umas tímidas, outras castas...
E com um complicador: além de enfrentar a timidez, o recato da mulher desejada, o mancebo ainda tinha que driblar o exagerado cuidado de seus pais , na maioria conservadores, impermeáveis, desconfiados...
Vivia-se o tempo do flerte prolongado; do namoro na porta de casa; e na pracinha mais próxima, desde que bem iluminada.
Cinema, só com uma acompanhante e de extrema confiança!
Era o tempo das saias godê e das anáguas volumosas; impenetráveis... Não era mole, companheiro. Mas era gostoso...
Neste cenário, de repente me vi envolvido num terno e complicado episódio. Uma bela e inocente história de amor, a partir de um beijo que me fora negado...
Não me recordo da sua idade. Sei que ela era bem mais nova do que eu.
Como a conheci? Um dia eu digo...
Entre suas amigas, ela se destacava pela sua beleza bem cearense...
Tentei conquistá-la, mesmo sabendo que não seria uma tarefa fácil. Ouvia que ela tinha "um velho e grande amor".
No entanto, amigas, dela e minha, torciam pelo meu sucesso.
Insisti. Marcamos um encontro.
Confesso que me senti o sujeito mais feliz da romântica Fortaleza dos anos 50.
O encontro aconteceu...
Pedi-lhe um beijo, e ela me negou, delicadamente... Um brusco e profundo golpe...
Despedimo-nos. E nunca mais voltamos a nos encontrar. Mas não a perdia de vista.
Achei, então, que aquele beijo negado não podia ser esquecido...
No dia seguinte ao nosso encontro, escrevi-lhe uma longa e apaixonada carta - Ah, as velhas cartas de amor" - lamentando o que acontecera na noite anterior.
A certa altura lhe dizia: "Ao me negares aquele beijo, aumentou, ainda mais, o meu anseio de um dia possuir-te."
Minha carta (nem ela soube dizer como e por quê) caiu nas mãos de seu pais, que nunca entenderam a frustração que se apoderara do apaixonado missivista...
Muito tempo depois, vim a saber que um erro de interpretação, e só por isso, aquela minha frase, meiga e tão sincera, teria causado a ela imensos dissabores, pois, sua mãe exigia-lhe explicações!
Queria saber o que, afinal, ocorrera com sua filha...
Rigores da época... Meados do século 20.
Anos mais tarde: ela casou com seu verdadeiro amor, realizando, imaginei, o sonho que sempre alimentara.
*** *** ***
Eu guardei esta história, tão bonita, com imensurável carinho, mas sempre achando que, qualquer dia, qualquer hora, deveria divulgá-la.
Faço-o, agora, mais de cinqüent´anos depois daquele encontro...daquele encontro... naquela noite...