Medo de escrever
MEDO DE ESCREVER
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 31.12.2008 e 01.01.2009)
Até o fim deste dezembro, sempre que te metes a escrever e publicar os teus textos corres dois riscos sérios e consideráveis. O primeiro é de não gostarem do teu trabalho, pela forma ou pelo conteúdo, e saírem te desancando o pau. Dizerem que não tens estilo nem elegância, que tuas idéias, opa!, tuas ideias são tortas e absurdas, que tua redação é prolixa e confusa a ponto de não se entender o que queres dizer.
O segundo risco que corres - cada vez mais uma certeza - é de não gostarem do teu trabalho pelas revelações que ali fazes, pelas verdades que lá dizes ou pelas suposições equivocadas que dele extraem e te lascarem processos judiciais exigindo indenizações por danos morais e à personalidade sofridos pelo queixoso e um antepassado seu, já finado, pouco importando quanto tempo haja passado desde os fatos documentados que narras.
Cada vez mais há juízes que acolhem tais ações e condenam, conforme o requerido, o autor da página vil, difamante, infamante.
A partir de janeiro, no entanto, um terceiro risco passa a assombrar tuas veleidades de escritor. Igualmente sério e considerável como os outros - que permanecem ativos! -, poderás ser indigitado em praça pública como um ser desprezível que se mete a escrever sem dominar minimamente seu instrumento de trabalho, a Língua Portuguesa. Já pensaste que vergonha?
A nova reforma ortográfica do idioma - mais uma - vai entrando em vigor durante quatro anos, a contar do dia 1o.
Aliás, se é para tirar os acentos, por que não suprimi-los todos de uma vez e ficarmos parecidos com o inglês, isto é, impossibilitados de pronunciar corretamente qualquer palavra que jamais tenhamos escutado?
Ademais, já que mexemos na língua, por que não obrigar o uso da regrinha básica que diz: "'eu' é a pessoa que fala, 'tu', com quem se fala e 'ele', de quem se fala"? Vale para os plurais, claro. Acaba-se assim com o terrível "você vai" e o pior ainda "tu vai".
De minha parte, tremem-me as mãos pelo fato lastimável de não mais me ser permitido o emprego conseqüente do trema (este o último que me sai da pena - escrevo à mão), esse sinal tão nobre e distinto que nórdicos e franceses usam com imensa galhardia.
O medo de escrever que me toma o espírito agiganta-se precisamente com esta crônica, a sair com as datas de 31 de dezembro, quartafeira (ou esta grafia só pode ser usada na quinta-feira?), e 1o. de janeiro.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias - Tragédia em 4 tempos", teatro, este em co-autoria - ou coautoria - com Francisco José Pereira)