OBRIGADA, MESTRE!...

Eu caminhava apressada pelas ruas daquela cidade grande, nem sei direito por qual motivo, mas lá ia eu, nas ondas da multidão.

-Ei, moça!-abordou-me um andarilho-A senhora está vendo aquele homem ali, deitado? -Perguntou-me apontando para baixo de uma ponte.

Meio assustada, com a cabeça fiz um gesto afirmativo, sem pronunciar palavra….

Maltrapilho, sujo e a exalar o odor peculiar a um corpo carente de água e sabão, o indigente olhando em meus olhos, continuou sua explanação, dizendo:

-Ele me pediu pra deixá-lo deitar-se um pouco, na minha cama…é verdade! Vamos lá pra senhora ver…

Possuída por uma inquietude sem igual, lá fui eu. O acompanhei a passos largos até o outro lado da rua onde, debaixo da referida ponte, sobre pedaços de papelão e farrapos do que , um dia, havia sido um cobertor, repousava o corpo do outro desfavorecido pela sorte. Tranqüilo, dormia o sono reservado aos justos e de consciência limpa…

-A senhora está vendo? Esta cama é minha.-afirmou aquele a quem eu acompanhei e agora dedicava total atenção, esforçando-me para reter, filtrar a mística daquele momento. O desvalido então, me questionou com autoridade:

-A senhora sabe por que eu o deixei dormir nela?

Ávida por uma resposta, expressei-me inquieta:

-Não! Me diga, por favor!

E como alguém que é derrubado por uma onda muito forte, recebi sua resposta:

-É porque a gente nunca sabe do dia de amanhã…

Eu? Fiquei ali. Parada, sem conseguir tirar os olhos do meu “mestre andarilho”, enquanto cabisbaixo e em silêncio ele se afastava, misturando-se novamente à multidão apressada e indiferente à tamanha sabedoria.

Ambiente inóspito aquela “sala de aula”; professor incompatível ao cargo; recursos didáticos totalmente incomuns: mas eu nunca havia aprendido tanto, em tão pouco tempo e com tanta eficácia! Obrigada, Mestre!

(Andréia Jacomelli )

Andreia Jacomelli
Enviado por Andreia Jacomelli em 31/12/2008
Código do texto: T1360526
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.