Crônicas da Esquina 16 ( Vizinhos )
VIZINHOS
Existem vizinhos e vizinhos. Os primeiros são entendidos em seu sentido lato e, frios como o verbete dos dicionários, não vêem nos outros sua extensão, mas seu limite. Como tal, costumam ser intolerantes e indiferentes às alegrias e tristezas alheias. Assim, como os animais, demarcados seus territórios, aferram-se a eles com unhas e dentes. Diria mesmo que rosnam à menor intromissão. Latem, contrafeitos, a qualquer coisa que possa vazar os limites sagrados de seus lares. Ainda para estes, a arte de conviver é um desastre, um equívoco sociológico. Adeptos da clausura, gostariam que todos vivessem reclusos a seus próprios caracóis. Fora de seus domínios, tudo é motivo para reclamações e muxoxos malcriados, quase histéricos. Para eles, seu clichê básico é: “o seu direito termina aonde começa o meu”. Mas como é impossível determinar o seu término, todo começo fica ameaçado. Em que exato instante deverei outorgar ao meu vizinho o usofruto do seu direito? Considerando que o começo do seu direito traz, para mim, o peso do incômodo, não deveria tomá-lo como terminado? Assim, nessa Babel de desvairios, melhor seria nos matar a ambos.
Os segundos são mais felizes. Reconhecem na paciente convivência uma necessidade imperiosa. Mais que parentes, vivem numa paz inabalável ou quase, pois as rusgas – quando existem – não se dilatam e estancam em risos e brindes.
Adotam um sistema de escambo: trocam um quilo de arroz por um sorriso aberto e franco; um cafezinho passado na hora por um dedo de prosa; um ombro silencioso por uma lágrima que exige derramar-se.
É destes que a nossa esquina precisa. Neste deserto, apenas a Ângela e família se nos surge como o oásis desejado onde penduramos nossas redes. De sua casa exala o clima da boa vizinhança que, infelizmente, não consegue contagiar os que teimam em exercer seus direitos pela supressão dos nossos. Acabaram com a música do Zeca’s. Incitaram a Região Administrativa a aplicar multas à esquina. Chegaram a plantar uma carta maldosa nos jornais. Ataques coléricos sem nenhum fundamento.
Mas Deus esteja. Sigamos Zeca. Sigamos Tuninho. Quando não se areja a mente, corre-se o risco de vê-la estagnada num tempo longinquo. Não podemos exigir perfeição, mas quem dera que em nossa esquina todos os vizinhos fossem ângelas. Valeu, amiga.
Aldo Guerra
Vila Isabel, RJ.