Não deixe para depois o que pode fazer hoje, ou Agora é tarde ou o Sonho de Annie.

 
Um dia desses passei na Crepaldi, a minha livraria favorita e comprei alguns livros. Todos leituras leves. Estou precisando. Um desses livros foi uma coletânea de contos de mistério elaborada por Donald E. Weslake – Mistério à Americana. São contos de autores completamente desconhecidos para mim, a exceção de Dennis Lehane, que apresenta um conto que inclusive eu já tinha lido e nem é dos melhores. Gosto de ter livros com capítulos fechados junto a minha cabeceira e assim não fico tentada a varar a noite lendo. Leio um e se vejo que Morfeu está chegando simplesmente o coloco em meu criado, apago o abajur e me entrego completamente em seus braços.
 
Não gostei da grande maioria dos contos. Mas um, um único deles, me fascinou. Chama-se O sonho de Annie e o autor é Bentley Dadmun.
 
Eu ia escrever que é uma história simples e triste, mas se é bem verdade que é triste, simples não.
 
Não vou desenrolar aqui a trama do conto, ela não interessa. É uma história muito bem escrita e o estilo dele se assemelha muito ao estilo de um de nossos autores aqui do Recanto. Talvez o melhor deles. Mas nem pensar que eu vá escrever o seu nome. Não quero que os outros fiquem com ciúmes. Não tenho a coragem do Fábio Daflon que relacionou os seus onze preferidos, além de colocá-los em ordem analfabética, ou seja,estão em ordem de preferência afetiva. Está certo, estou entre os onze, mas não sou a primeira. Quis ignorar esse sentimento ruim em mim, mas confesso, fiquei com ciúmes. Queria ser a primeira. Quem não quer?
 
A história se passa em um lar de cidadãos idosos onde vive o nosso detetive. Ele acaba de ser expulso dali porque decifrou um mistério que acabou colocando o filho da proprietária do referido lar na cadeia. Annie, é claro. Que resolve mudar de idéia e lhe faz uma proposta: ele pode ficar, mas terá que resolver um pequeno mistério da vida dela.
 
Annie havia feito uma faxina geral em suas gavetas. Achou um molho de chaves. As chaves tinham sido encontradas dentro de um velho casaco de seu falecido marido, um dia antes que morresse, após um primeiro derrame. Ela perguntou-lhe que chaves eram aquelas e ele respondeu: Meu amor, você está segurando as chaves do seu sonho. Como ele não estava falando coisa com coisa, ela largou as chaves para lá e não pensou mais no assunto. Afinal, se é que um dia tinha tido sonhos, esses consistiam simplesmente em ir ao teatro ou a um museu. Coisas assim, que geralmente os homens não entendem mesmo.
 
E o nosso detive, especialista em descobrir coisas que as pessoas queriam manter escondidas saiu em busca do sonho de Annie. É claro que no desenrolar da história vai encontrando coisas incríveis, enterradas e bem escondidas. Mas isso não é uma resenha e eu já disse que não vou contar o enredo.  O que interessa é que ele encontrou o sonho de Annie, no fundo de um baú que uma daquelas chaves abriu: duas entradas para o Museu de Belas Artes de Boston para uma exposição especial dos impressionistas modernos, duas entradas para O Rei e Eu e duas entradas para o novo aquário da cidade.
 
Estou percebendo aqui que já escrevi seis parágrafos e só agora estou entrando no corpo de minha crônica. Tenho que avisar que o corpo será bem menor do que a cabeça o que espero não tornar esta crônica uma aberração. O que me deixou emocionada e ficou dando voltas em minha mente querendo sair para ser compartilhado foi a compreensão de que as vezes é preciso tão pouco para possibilitar ao outro muita  felicidade. Annie e seu marido tiveram um longo casamento e ela deixou adormecidos todos os seus pequenos sonhos que poderiam ter sido realizados com esse simples gesto que chegou tarde demais. Eram coisas tão sem importância, disse ela. A morte não manda avisos e quando chega não dá tempo de fazermos o que fomos adiando por comodidade ou egoísmo. Há uma historinha que também corre pela Net, a do velhinho que faz enterrar junto da mulher a camisola sensual que lhe dera de presente há muitos anos atrás e que ela nunca quis usar. E a satisfação de ser felizes com as coisas simples que muitas vezes negamos a nós mesmos. Conheço pessoas que compraram ou fizeram enxovais lindíssimos quando se casaram e que hoje já completadas várias bodas os mantém intacto nas arcas alimentando as traças.A louça fina nunca é colocada a mesa e fica amarelando nos armários. Talheres de prata que nunca são usados. Pessoas que compram roupas e sapatos que não usam, sempre a espera de uma ocasião especial que nunca chega. Porque a vida é aqui e agora e a felicidade é feita de pequenas porções de alegria. O momento especial é este que estamos vivendo. Para que deixar para depois o que pode ser feito hoje?
 
Ah, quanto ao título escolham o que acharem melhor.