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Lá vou eu de novo!
Fim de ano é tempo de canseira, muita correria, comprar presentes, ser solidário por um ou dois momentos e reclamar desse cansaço sem igual. Todo dezembro é assim, mas passa. Tudo será renovação depois da meia-noite do dia trinta e um. Serei mais magro, mais feliz, mais rico, voltarei a estudar, todos os meus sonhos serão verdade num passe de mágica, pois todos os cartões que recebi diziam isso. Será que cartões eletrônicos têm o mesmo efeito?
Foi assim na formatura. Num dia eu era estudante, sem maiores compromissos, podia até rir à toa. Depois de recebido o canudo, e a temperatura, em pleno agosto, ter despencado de trinta e cinco para oito graus, passei a ser profissional. Pronto. Sabia tudo. Já não podia mais errar. Era só uma questão de cerimonial e anel no dedo.
Em janeiro e fevereiro há o veraneio de dois meses. Tempo de ir à praia, mesmo que não morra de amores por estar aglomerado com dezenas de pessoas, gatos, cachorros, pulgas e vendedores de tudo. Todos irão relaxar ao mesmo tempo na mesma praia, mas antes tem o melhor: a estrada. A viagem que deveria ser feita em uma hora e meia é feita em quatro ou cinco horas. Um calor de quarenta graus, afinal é janeiro e aqui também é Rio.
Ah, se pudesse ficar na cidade, onde há excelentes peças de teatro, cinema mais barato, ruas quase desertas, pouco movimento de carros... Mas isso não seria veranear. E depois devo contar na empresa que tive um ‘super’ descanso na praia, afinal merecido por ter dado um duro danado o ano todo.
Vem com as águas de março o retorno à escola, o fungo nas unhas adquirido na areia branca da praia, compras de material escolar, o desgosto com o emprego atual e as reclamações eternas de que procurarei outra ocupação. Aí sim, será o trabalho da minha vida. Abril da mesma forma, só com o diferencial das compras de chocolates, afinal coelhos gostam muito de chocolates e põem ovos deliciosos. Êba!
Maio o mês das mães, das rosas, das noivas e de tudo o que pudermos ver de comerciais para casa. Hora de comprar fogão novo e quem sabe uma geladeira. Tenho que consumir, afinal os comerciários precisam das comissões para se manter. O presidente da República mandou comprar. Quem sabe um carro zero? Com banco bem alto para que desfile sozinho pela cidade a buzinar, cortar a frente de quem corta a minha frente, dizer palavrões sem som, apenas movimentando a boca. Todos entendem quando a gente ‘xinga’ a mãe, afinal é o mês delas. A poluição sem medida é o de menos. Devo consumir e fazer circular o crédito. Isto é lei.
Junho tem festa junina, bolo de milho, procissão. Até pode ser atrativo ir à igreja agradecer pela metade do ano ter transcorrido com perfeição, mas o tempo é curto. Além do mais já não conheço ninguém na igreja.
Julho e agosto são meses de muito frio. Época apropriada para comprar vinhos, ir para casa, ficar amontoado diante da televisão. Tem sempre aventura no telejornal, futebol ou a novelinha boa, daquelas que assistindo uma ou duas vezes por mês a história continua sem grandes alterações. Os atores continuam os mesmos, mas há gente nova. Já nem posso perguntar quem são os personagens ‘tais e tais’ lá no serviço porque ninguém mais me dá bola. Só recordo os nomes do Tarcisio Meira e da Glória Menezes e mais uma meia dúzia. Depois disso, com os ouvidos cheios de notícias do desconforto e da desgraça dos outros, bem sonolento vou dormir, grato por não ter acontecido nenhuma desgraça daquelas comigo.
Setembro! Ah, a deslumbrante primavera começa a espantar um pouco os dias, ou melhor, as semanas inteiras de paisagem cinzenta. Gosto do cinza, do frio e da chuva, mas me chamariam de louco se dissesse isso. Flores em profusão, rinite e crises respiratórias também, saídas na noite ficam mais comuns, planos para o dia das crianças que se aproxima e pagamento das compras dos dias dos pais. Eles, que são importantes, embora nem tão ‘mães’ assim.
Entrando no mês de outubro o vento chega uivando feito louco. Dias e dias de ‘bateção’ de janelas e o eco do minuano lá fora, parecendo anunciar assombrações dos meus pensamentos de descaso, de rituais já tão automáticos para cumprir na cerimônia dos finados em novembro. Todos levam uma florzinha na mão subindo o morro para acalmar a consciência. Pelo menos uma vez no ano são lembrados os mortos. Sei que já não estão mais ali, mas manda a tradição que se preste homenagem. Vá que um deles se aborreça por minha negligência e venha me puxar o pé de noite? Cruz credo!
Agora, novamente dezembro. Quase três meses acordando mais cedo pelo horário de Verão, sinos de Natal, luzes sem fim, risos de plástico e muita promessa de melhora, desejo de paz e alegria. Época de sentir muito cansaço, afinal já foi determinado em algum momento que tenho que estar esgotado nessa época do ano. Lá vou eu de novo...