Mais uma do Vô Luiz

Uma das coisas que sempre gostei é o hábito da sentar à mesa no final da tarde para o lanche. Eu era moleque, adorava a rua, mas na hora do lanche lá estava eu, pontual como um lorde inglês. Menos pelo lanche e mais pelo papo que rolava entre os mais velhos e que eu adorava ouvir. Naquele tempo criança pouco se metia nas conversas dos adultos, mas não era proibido se encantar, sorrir ou mesmo rir. Ainda hoje é assim, mesmo com a família diminuída por causa dos falecimentos e mudanças. No meu tempo de menino, morávamos próximos e sempre tinha gente, ou lá em casa ou nós que íamos para a casa de alguma tia. De qualquer forma era diversão garantida. Hoje, minha irmã mora com a família dela a mais de mil kilômetros de distância, tios e tias faleceram ou foram pra longe, primos se casaram e também se foram. Mas ainda tem um núcleo bom gravitando em torno, uns dos outros e mantendo esse saudável hábito de reunir para lanchar e conversar fiado. Outra coisa muito boa é que, hoje já podemos fazer comentários antes proibidos. Num desses dias a conversa girava em torno do meu avô Luiz, que até já tem uma crônica postada aqui. Vô Luiz foi mestre carpinteiro na Escola XV, lá em Quintino. Naquele tempo não era escola correcional, mas, Escola de ofício e arte. Vô Luiz tinha um prazer imenso na arte que escolheu e era feliz com isso, felicidade que transbordava no seu jeito moleque e cheio de malícia boa. O cara era tão querido que foi padrinho de boa parte dos alunos da escola. Além de muito alegre, vô Luiz era também desprovido da ambição. Ele adorava fabricar brinquedos - e os fazia com esmero - para vender a preço vil. Importava para ele, além do prazer pessoal de praticar sua arte, ver o prazer de as crianças menos favorecidas poderem ter as coisas que ele fazia. E foi essa falta de ambição que resultou num dos momentos gostosos de uma das nossas reuniões. Enquanto devorávamos bolinhos de chuva que, não sei porque, chamávamos de arranha-gato, minha mãe contava que vô Luiz era tão despreendido com essa coisa de dinheiro que, certa vez arranjou um bico para vender peixes. Até aí nada demais. O legal da história é que, além de vender fiado o peixe, ainda emprestava o dinheiro pra o freguês comprar a banha da fritura. Tenho orgulho desse vô, do seu coração humano, da sua alegria e da oportunidade de poder escrever sobre ele, que conheci apenas como personagem de deliciosos causos.