Não Pise na Grama
Ainda acho engraçada a maneira como somos advertidos de coisas aparentemente óbvias. Um dia desses, descomprometida com horário e demais afazeres, estava caminhando para tentar achar uma sombra para descansar e ler. Isso tem ficado cada vez mais difícil nas cidades, exceto pela presença de um ou outro parque que ainda possa ser civilizadamente freqüentado.
Pois bem, encontrei na praça um banco que me convidava a ficar ali um tempo, sob a sombra de uma árvore já certamente centenária, pelo calibre do tronco, a profundeza das raízes que rasgavam o concreto do calçamento, pela copa frondosa e alta enfeitada com algumas poucas e miúdas flores amarelas.
Embora esteja localizada em um bairro até bem movimentado, aquela praça tem ar de cidade de interior. Grama bem cuidada, vegetação baixa e robusta bem aparada, com nuances de vários tons de verde, ora quebrado por uma ou outra flor colorida. Os canteiros delimitados por pedras pintadas a cal branco e como não poderia deixar de ser, um apelo óbvio grafado numa placa simpática, mas incisiva: “NÃO PISE NA GRAMA”.
Fiquei ali por um pouco mais de uma hora, e confesso, ou estou sensível demais ou o índice de analfabetismo ao contrário do que se anuncia, aumentou. O aviso parecia apenas um adereço junto ao jardim. Gente cruzando a praça de um lado a outro pela grama, pisando sem dó, tentando ganhar alguns segundos do seu tempo escasso “cortando caminho”.
Eu concordo que às vezes temos urgência em algumas coisas. Mas trinta segundos, não faz diferença nenhuma nesses casos. Ninguém leva em conta a preservação do jardim, a vida da grama e muito menos o trabalho de quem cuida daquilo tudo.
O problema é que gente que não dá atenção ao óbvio, acaba pisando não só na grama do jardim, mas na grama da vida de muita gente.
É gente que talvez não tenha o cuidado de saber que todos nós temos a fragilidade de uma grama viva e verdinha. Que se não for cuidada e limpa, regada com freqüência, vai sofrer a ação do tempo, secar e morrer.
O tempo vai passando e mais que analfabetos nos tornamos cegos. Há muitos avisos espalhados por aí, mas pensando somente em nós, fazemos de conta que não vemos.
É muito fácil perceber a grama de alguém pisada. O rosto denuncia na falta de sorriso, nos olhos sem brilho e nas atitudes muitas vezes egoístas e sórdidas.
Tem jardim que por falta de cuidado, a grama cresceu demais e está infestado de ervas daninhas. Há tempos não cresce nenhum galhinho de “maria-sem-vergonha”**
Esse tempo no jardim me fez refletir sobre como tudo nessa vida tem dois lados, principalmente nós. Somos soma de duas metades exatamente iguais de bem e mal. Temos a mesma quantidade de humildade e orgulho, de egoísmo e solidariedade, de vaidade e desleixo, de anjo e demônio.
Boa ou má conduta pode ser comparada aos dois cães que cada um de nós guarda dentro de si: o dócil e manso e o feroz aterrorizante. Será o mais forte aquele que você alimentar.***
É melhor começarmos a dar mais atenção aos avisos, estejam eles descritos em placas ou em atitudes.
** espécie de flor de fácil cultivo de nome científico Impatiens walleriana
***citação que li de autoria por mim não lembrada.