O Primeiro Livro.
Por mais que tente não consigo me lembrar do primeiro livro que li. Mas lembro do primeiro romance: foi O Garimpeiro de Bernardo Guimarães. Eu tinha oito anos. Minha mãe era representante de assinaturas de um jornal do Rio e provavelmente o ganhou de brinde. Sei lá por que o deixou em uma prateleira de um armário onde guardávamos sapatos. No banheiro único de nossa casa. Eu o li todinho lá, sem ousar levá-lo para fora. Não tenho muitas lembranças nem da história nem de como o livro se apresentava. Através da neblina do tempo um livro de capa cinzenta se apresenta em minhas memórias. Tinha cheiro de livro novo e eu me viciei para sempre com esse cheiro. Nunca gostei de ler livros usados. Nem poucamente usados. Gosto é de livro novo, bem novinho, cheiroso e limpinho. Não me lembro porém da textura das páginas nem da qualidade da edição. Suponho que nem devia ser muito boa. A maioria das páginas se encontravam unidas e eu tinha que usar uma faca de cozinha para separá-las. Devo ter feito algum estrago. Minha mãe percebeu que eu o estava lendo e o levou embora não sei para onde. Mas não me importei muito, já estava na releitura. Presa para sempre a magia das palavras escritas
Faço esta reflexão após a leitura de um dos capítulos do livro O mapa do mundo – crônicas sobre leitura, de Marta Morais da Costa. Ela lança uma pergunta e eu tento responder. Ela quer saber o que restou desse encontro mágico com o primeiro livro que eu, leitora, tive nas mãos. Não restou nada porque a leitura para mim nunca foi resto. Mas o primeiro livro, que exatamente não me lembro qual foi, foi também a pedra fundamental da construção dessa individualidade que sou eu. Sempre tive estantes repletas de livros embora as primeiras tenham sido bem pequeninas. Lembro-me de uma, feita de caixotes, no qual colei figuras de revistas ilustradas. Hoje tenho muitas prateleiras cheias de livros que continuamente tenho que esvaziar para colocar outros. Faço isso pelo menos uma vez por ano. Levo-os para bibliotecas onde poderão continuar exercendo o seu fascínio. Compro-os compulsivamente para saciar a minha vontade de ler. Minha coleção não é rara nem rica, mas reflete o meu gosto eclético. De tudo um pouco se encontra em minhas prateleiras: poesia, filosofia, crônicas, ensaios, romances, esoterismo, biografias, culinária, policiais, ficções científicas, jornalismo , curiosidades e até os mal falados livros de auto-ajuda. Mas tenho minhas manias: não gosto de Best-sellers. São produções em série que tiram da leitura toda a graça. Os que tenho comprei antes de se tornarem Best-sellers. Não gosto muito de ler o que todo mundo está lendo. Gosto de ler o que escolhi para ler. Gosto de ter a minha opinião. Também não gosto de livros mal escritos. É o que mais me irrita, o descaso com o estilo e com a criatividade. Minhas leituras não fizeram de mim uma pessoa erudita. Mas moldaram meu caráter e me fizeram pensar por minha própria cabeça. E também me ensinaram a escrever um pouquinho melhor do que a maioria das pessoas. Pode parecer absurdo, mas eu nem mesmo me lembro de não saber ler. E embora seja capaz de compreender que existam pessoas que não gostem de ler, não consigo entender que um professor não goste de fazer isso. E principalmente um escritor. Pois eu conheço pessoas que se dizem escritores que pouco lêem, ou quase nada. E tenho ciência de que o meu maior medo é perder a visão e não poder mais ler. Eu não conseguiria, privada desse vício, fazer como meus irmãos deficientes visuais fazem: encontrar alternativas para o prazer de viver. Pois é a leitura que me faz sentir viva.