Retratos

//Nachtrauern – Lamentar

Sentir uma tristeza carregada de saudade,

desapontamento ou luto.//

Retratos

Quando adentra a escuridão, sem nada ver e com os dedos tateando delicadamente as paredes junto à porta para encontrar seu caminho. Depara-se com um sem número de retratos que se permitem resvalar, mas nunca serem seguros.

Quando a vista finalmente se adequa a pouca luz presente, torna-se capaz de distinguir formas de mobília velha e velhos sonhos. O cheiro de mofo dos livros se torna lembrança e os passos através das tábuas apodrecidas do piso úmido o encaminham para a fonte da escuridão.

Passo após passo, dia após dia revivendo momentos: a dor do último corte, a decisão de seguir outro rumo, as traições, a felicidade do nascimento do seu filho, o dia de seu casamento, pegar o diploma de arquitetura, quando conheceu o amor de sua vida, o primeiro carro, o primeiro emprego, a turma do colégio, as festinhas de aniversário, o colo da mãe e o abismo escuro que se estendia em sua frente.

Olha para dentro do abismo sem conseguir enganar-se, está deixando ir parte de si. As partes que se orgulhava, as palavras escritas, os sonhos disputados, o amor verdadeiro. Lamentava. Repetia desesperos.

Fitou mais uma vez os retratos e aquelas imagens que não existiram onde as dádivas da vida se materializavam, em momentos que nunca iriam acontecer. Retratos das outras escolhas, da vida não vivida.

Uma luz vivida cruzou a escuridão, pontes de mármore cruzavam o abismo.

***

Abriu os olhos, permitiu-se escapar das alucinações que havia criado, respirou fundo e sentiu o cheiro forte de café. Em seu peito estava o amor de sua vida, ao seu lado sempre. Mesmo quando era apenas um sentimento tão profundo, que nem a distância permitia esquecer.