A morte do poeta

Ah, como eu gostaria de morrer agora! Matar-me sem dó nem piedade. Já amolei minha faca por mais de mil vezes e por mais de mil vezes refuguei como se fosse o Baloubet du Rouet. Sinto a faca atravessada em minha garganta como uma lança pontiaguda e afiada. Não sinto dor, não sinto frio, nem medo tenho. É como se o meu sangue jorrasse em meus poros misturados com o suor de uma luta sem fim, é como se eu vivesse e morresse a cada infeliz instante.

De que me serve a vida se prefiro a morte? De que me serve esta carcaça doente e podre que carrego como um burro de carga que agora sou? Tudo me parece nefasto e nojento. Por várias vezes fiz vômitos ao ler minhas metáforas, isso sem falar que o mundo nada me fez para que eu não pudesse rir ou sonhar. Desse modo, me despedaço nos sentimentos, chego a chorar por mim. Rezar? ... não rezo, nunca aprendi, talvez tenha chegado o momento de fazer o sinal da cruz, talvez tenha chegado a hora de pedir por minha alma. Mas, por favor, não peça por mim; sei que não mereço e mesmo que viesse a merecer não desejo esse favor.

Baloubert du Rouet é um cavalo esperto, ele sempre volta, ele sempre salta, mas eu não quero voltar, não quero saltar de novo, sou um cavalo velho e desdentado, ou melhor; um cavalo-burro que sempre carregou pedra... até no nome.

Nunca quis ser o primeiro da fila, aliás, sempre fui o último em tudo. Sempre tentei me esconder, enfiar a cabeça em qualquer buraco, por mais escuro que fosse. Quando chegava a minha vez, o sofrimento era ainda maior. Via a multidão desenfreada arrastando tudo como uma serpente faminta eu, sempre arrumava uma desculpa para tudo.

Sempre tive a consciência que havia me perdido desde o nascimento, já nasci meio torto; da cabeça aos pés, mas sempre que pude, me carreguei para não ser mais um estorvo, um peso-pesado para aqueles que comigo vivem. Sempre soube que, quanto mais eu corresse, mais eu me afundaria e mesmo assim, eu continuava, seguia aos trancos e barrancos, mas sempre de olho no fim.

Nunca pratiquei o mal a não ser para o meu cachorro. Ele já estava podre de velho, com os ossos do crânio à luz do dia, os vermes já aflorando faziam, ali, uma festa. Covardemente não suportei a sua dor, não fui honesto nem comigo mesmo, deixei que o veterinário desse fim ao seu sofrimento. Às vezes nas profundezas de minhas loucuras chego a pensar que nem ele, nem ninguém, jamais pensaram em mim e, se chegaram a pensar, pensaram apenas no meu eu – olho de tolo.

É por tudo isso e mais um monte de coisas velhas que venho catequizando a morte, implorando para que não me tire da fila. Essa história de que os últimos serão os primeiros, já não me pega.

Agora eu lhe pergunto com toda a sinceridade das minhas palavras, que não são muitas. De que adianta viver se o que faço não me traz alegria? Pra que serve essa vida? Meu Deus, o mundo está perdido, acho que seríamos mais felizes se não conhecêssemos uns aos outros. Mas infelizmente nós precisamos uns dos outros, até mesmo para que nos mostrem as nossas desgraças e algumas vezes as nossas mentiras.

A minha faca mais parece um punhal, mas, mesmo assim, tenho medo de cometer um “assassinato” mal sucedido, tenho medo de me acovardar na hora precisa, no tempo exato. Sei que a carne é fraca, que qualquer furo pode sufocar as minhas pretensões. Esse pode ser mais um processo insensato de minha consciência, mais uma tentativa frustrante e absolutamente falha. Porém, o meu desejo de lutar está no fim e no meu caso particular, esse embate não deve durar muito, sempre acreditei na força do destino. Entre a cruz e a espada, sempre preferi a faca da guilhotina.

Certamente minha cabeça vai rolar morro a baixo como uma pedra desgarrada do cume da montanha, chegando ao fundo do poço, coberta de lama. Eu preciso livrar-me de mim mesmo, ser esquecido, quem sabe assim, terei algum valor. Tudo que planejei ou executei não teve eco, tudo se desfez com naturalidade, o que resta de mim é a própria ruína.

Os versos que fiz não saíram da minha cabeça, estão emperrados no meu cérebro como uma bomba relógio sem estopim. De qualquer maneira eu poderia dizer que os meus versos são inúteis, não pela estética, mas pela essência de conteúdo. Mesmo porque eu sempre quis ser o poeta das coisas ruins, das coisas sem muito valor.

Esse suicídio literário já era esperado, nunca ultrapassei os limites das primeiras lições da poesia, sempre caminhei entre o verso e o reverso, o que aprendi com a sociedade foi o que me serviu de base para as minhas composições. Espero que no meu enterro ninguém diga que fui um poeta, mas sim, um infeliz sonhador.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 07/04/2006
Reeditado em 11/10/2017
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