O CACHORRO QUE MORAVA NO AVIÃO


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Certo dia, repentinamente, um tanto assim meio brusca mas cheia de ternura e malícia, minha amada esposa olhou bem no fundo dos meus olhos, e já nesse momento, então, ficou de imediato séria, assustando-me até por minutos, e de um só fôlego me lançou um desafio pantagruélico. "Você é capaz de escrever uma crônica que tenha como título "o cachorro que morava no avião"?
Procurei rir tentando descobrir se ela estava brincando ou se, realmente, falava a sério e me encostava na parede no intuito de conhecer até onde iria minha capacidade inventiva para criar um texto evidentemente absurdo e, sem dúvida nenhuma, incongruente. Mas por que razão me vinha ela com esse rompante literário estranho e, mormente, nada cotidiano no que tange ao assunto escolhido? Bom, ela não soube explicar e nem pretendia expor motivos para o pedido, simplesmente achava o tema interessante e merecedor de um texto que despertasse a atenção das pessoas.

"É impossível um cachorro morar num avião", eu repliquei objetivando me esquivar da enorme responsabilidade de engendrar algo verossímil para contextuar e convencer meus poucos leitores sobre a estranha versão a respeito de um animal fazendo do avião sua moradia. "Sim, pode ser algo beirando o escatológico e nada fácil de escrever, no entando creio que você pode fazer isso", sussurrou-me ela ao pé do ouvido saindo toda sorridente na direção de algum cômodo do apartamento. Pronto, torou... A brasa ardente foi colocada na minha mão espalmada à guisa de gesto indefeso de quem provavelmente não tem qualquer saída para o impasse diante do qual se vê, deixando-me de queixo caído. E, sob o peso desse inesperado desafio, fiquei a matutar por onde começar um texto que, certamente, não seria nada convicente a respeito dessa matéria inusitada. Pode alguém, em sã consciência, aventurar-se a idealizar uma crônica sobre um cachorro que morava num avião?

Sabemos o rigor com que todas as aeronaves sao minuciosamente revistadas, diariamente e antes de todos os vôos, em absolutamente todos os seus compartimentos e vasculhadas palmo a palmo com vistas à segurança de passageiros e tripulantes. Onde quer que um cão, por menor que fosse, um chihuaia digamos, procurasse se esconder certamente seria encontrado e enxotado. Escorraçado, diria melhor. A pontapé e aos gritos, claro! Além do que cabeças rolariam ante tamanha esquisitice, com certeza. É mais que inconcebível ser encontrado um reles bicho perambulando no interior do avião, sem dono e fora da casinha apropriada para viagem aérea e, ademais, sem o dono ou interessado pagar o devido valor para ser transportado como bagagem. Residindo lá, então, nem nos piores filmes de terror de categoria b. Nesse diapasão difuso, por conseguinte, como justificar o título de uma crônica qualquer descrevendo sobre um cachorro morando no avião?

Ah, outro obstáculo quase intransponível para o pobre animal, coitado: para alcançar a entrada do avião ele teria que subir a escada após percorrer vários metros na pista cheia de tratores, microônibus e caminhões de combustível e os mecânicos e trabalhadores em geral que circulam por ali dia e noite, ou atravessar o túnel que liga a sala de embarque à aeronave. Não seria nada fácil para ele, isso é por demais concreto. Aliás, esse personagem fictícil, tadinho dele, nem lograria chegar à sala de embarque porque seria logo visto e posto a correr. É inevitável  pensar que ele jamais entraria, sequer, no próprio aeroporto tão vigiado por seguranças e câmeras. Alguém, ou alguns, o veria e tudo seria encetado para tirá-lo de lá o mais rápido possível. Não, definitivamente seria cem por cento impossível um cachorro morar num avião.

Chamei minha esposa, mostrei este esboço despretensioso, único resquício da desejada crônica de um cachorro morando no avião, e, desanimado, bati o prego e virei a ponta deixando bem claro não haver condições de concretizar um texto nesse sentido. Não há consenso e não tem argumento que dê jeito: um cachorro nunca poderia morar num avião! Ela leu o material escrito, sorriu suavemente porém de forma enigmática e bradou: "Mas você já escreveu a crônica sobre o cachorro que morava no avião, é esta"!
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 24/12/2008
Reeditado em 24/12/2008
Código do texto: T1350819
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