Blumenau é longe

BLUMENAU É LONGE

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 17.12.2008)

Blumenau é longe da Europa e da América do Norte. Mais longe ainda da Ásia e da Oceania e, culturalmente, bastante distante da África - a África, aliás, sempre é mantida muito distante de tudo, das coisas boas e mesmo das ruins que acontecem no resto do mundo.

Blumenau - assim como as demais regiões de Santa Catarina que ainda sofrem com os efeitos das catástrofes que se abateram de seus céus e brotaram de seus solos, desfeitos uns em água e outros em lama - mantém-se nos noticiários por conta da confirmação de cada nova morte, fato que se repete a cada dois ou três dias. Ou quando se informa ao mundo que um caminhão carregado de donativos pegou fogo em Registro, SP, ou teve a carga distribuída entre pobres de Tubarão, SC, devido à suposta - e inverossímil - recusa do seu recebimento alhures.

Blumenau é longe do resto do mundo que se surpreende com as imagens espalhadas pela televisão e pela Internet mas que logo, depois de fazer suas caridosas doações, se esquece das causas que originaram tantas tragédias pessoais e retoma os hábitos de consumo e agressão ao seu próprio meio ambiente, que pode um dia tornar-se uma Blumenau revisitada.

Blumenau é longe do resto do Brasil e mesmo do Mangue do Itacorubi, em Florianópolis, cuja área residual, já muito reduzida por aterros e constrangida por todo tipo de obra civil, vive coalhada de lixo - sacos e garrafas plásticas -, com os riachos que o alimentam, cobertos por uma "nata" gordurosa e negra, fedendo a fezes humanas, e com os córregos que o cortam, de onde sumiram os peixes, assoreados pela devastação da escassa vegetação das margens e atulhados de garrafas de cerveja - vazias, claro.

Blumenau, aliás, é longe até da Vila Germânica, ali mesmo em Blumenau, local que concentra o recebimento de doações aos flagelados e de onde civis e militares, capazes e "secos", travestidos de voluntários, foram surpreendidos roubando impiedosamente, após criteriosa escolha e seleção, bens destinados a quem ainda precisa muito da ajuda das pessoas bem-intencionadas.

Blumenau só não é longe nas fotos com Ronaldo Nazário, protagonista da nebulosa final de Copa do Mundo na França ainda por explicar, o ex-jogador de futebol que, em São José, do lado da Capital, rodeado de políticos que não podiam perder a ocasião fartamente documentada, entregou 30 toneladas de donativos aos desabrigados do Estado.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Movimentos Automáticos", novela)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 23/12/2008
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