A orelhinha
 
Minha sobrinha tinha uns 8 anos quando eu percebi que algo estava errado com ela... Sim, muito errado. Ela estava normal demais, como toda criança. Era mau sinal...
 
Todo mundo lá em casa era muito pirado, mas maluco beleza, certamente. Ela não: não falava muito; era educada demais, muito quieta; vivia avoada, sempre pensando... Considerávamos a intelectual da família, a sonhadora.
 
Dormia que era uma maravilha... Eu achava interessante que ela só gostava de dormir de lado, e para um lado só - por incrível que pareça, para a parede... Não era muito comum aquilo, mas tudo bem...
 
Um dia eu perguntei a ela a razão daquilo e ela me respondeu: "É mais silencioso. Não faz barulho". Achei mais louco ainda.
 
Certa feita, eu chamei sua atenção, pois ela estudava em meio à maior bagunça da família. Não ia aprender nada. Suas notas estavam caindo nas matérias e as professoras a consideravam muito distraída. No dia da minha bronca, ela me ignorou. Continuou lendo, sem prestar atenção em mim. Considerei uma afronta. Olhei bem para os olhos dela e exigi maior respeito às minhas recomendações.
 
Ela me olhou com cara de GBO e disse: “Que foi que eu fiz?!".
 
Tapei um ouvido dela e gritei. Ela me olhava sem susto, pois loucuras não me faltavam. Considerou uma reação normal. Depois tapei o ouvido contrário e deixei o anterior livre. Dei o mesmo grito e ela riu: "Agora tá melhor... Assim sua voz não me irrita".
 
Ela estava totalmente surda de um ouvido. Posteriormente foi diagnosticado que se tratava da lesão do nervo ótico (ótico, de ouvido; óptico é de olho). A causa mais provável teria sido caxumba. O vírus lesou irreversivelmente o nervo.
 
Isso pode acontecer por causas diversas: medicamentos (antiinflamátórios, antibióticos etc), viroses (as mais comuns são as da infância e o herpes), doenças nos ossos da cabeça, tumores cerebrais, malformações congênitas, infecções e inflamações em nariz, ouvido e garganta.
 
Hoje as criancinhas já nascem fazendo testes de audição, ainda no berçário (teste da orelhinha). Uma triagem realizada no bebê através da colocação de um fone de ouvido, que é acoplado a um computador. O aparelho transmite sons de fraca intensidade e mede a resposta elétrica do ouvido interno.
 
Outro exame, que não é específico, mas até dá uma idéia, é a cardiotocografia. Aparelho que mede as contrações uterinas durante a gravidez e faz um eletrocardiograma do bebê. Também avalia os movimentos fetais quando se toca uma buzina próxima à barriga da gestante. O exame não serve para avaliar a capacidade auditiva do feto, mas é um parâmetro relativo que diz que ele, pelo menos, ouve algo.
 
Os pediatras sempre devem se preocupar com a audição infantil, durante os anos de acompanhamento da criança, até que ela possa entender se ouve bem ou não. A distração e o baixo rendimento escolar podem ser os primeiros sinais de que algo está acontecendo com a criança - pode ser orgânico ou psicológico.
 
No caso de minha sobrinha, ela aprendeu a conviver com a audição parcial. Treinou-se para ouvir direito o mundo à sua volta. A preocupação é poupar o único ouvido bom de qualquer agressão futura, principalmente causada por otites e medicamentos ototóxicos.
 
Leila Marinho Lage
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Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 19/12/2008
Reeditado em 11/10/2009
Código do texto: T1343826
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