Dialética do jeitinho brasileiro

O "jeitinho" faz parte da cultura brasileira, está imbuído na psiqué do brasileiro.

Às vezes, o jeitinho trata-se duma maneira criativa para resolver problemas insolúveis - e problemas insolúveis é o que não falta no Brasil. O jeitinho pode ser utilizado, por exemplo, para ganhar dinheiro de maneira lícita, mas informal. Vender um espetinho na praia, comprar barato e vender caro, vender almoço pra comprar janta, usar da lábia para conseguir o que se quer, ter um QI para conseguir um emprego.

Todos sonham com a formalidade, mas formalidade e Brasil não combinam - conseqüência dum Estado burocrático e corrupto.

Mas o jeitinho também pode se manifestar ilícita, sem deixar, no entanto, de ser criativa: trazer muambas do Paraguai, distribuir DVDs piratas de filmes que ainda estão em cartaz no cinema, molhar a mão dum policial pra escapar duma multa, cortar madeira sem licença de áreas de preservação, desviar verba pública, sonegar impostos, vender gato por lebre... A lista é enorme, os modos ilícitos de jeitinho são muito mais variados do que os lícitos.

Os noticiários apresentam-nos todos os dias uma série de expressões do jeitinho. Lembro-me quando foi implementada a lei proibindo a ingestão de qualquer quantidade de álcool por motoristas - a famigerada Lei Seca. O jeitinho entrou em ação, tentando conceber maneiras para enganar o bafômetro: balas-de-menta, chiclete, beber vinagre, e outros absurdos. Neste caso, o jeitinho não funcionou e muita gente rodou nas blitz.

Dias atrás mesmo, o jeitinho brasileiro voltou a ser notícia. Voluntários ajudando os desalojados das enchentes em Santa Catarina estavam aproveitando aqueles montes e mais montes de roupas e alimentos para economizar um dinheirinho. Afinal de contas, era tanta coisa que ninguém iria perceber se um tênis, um sutiã, uma calça jean, ou um quilo de feijão desaparecessem. "O que os olhos não vêem, o coração não sente", diz o ditado, e este é também um dos motes do jeitinho: tudo vale, enquanto você não for pego.

Os jeitinho brasileiro extrapola os limites geográficos, onde há um brasileiro, o jeitinho o persegue. Nos EUA, por exemplo, há muito brasileiro trabalhando duro e honestamente, mas os que dão um jeitinho pra tudo são sempre mais interessantes para a mídia. Semana passada, foi presa uma quadrilha de brasileiros que fabricava notas falsas de cem dólares. Peixe grande!

Mas os peixes pequenos, que compram documentos falsos, que enviam grana preta através de doleiros, que vendem drogas na noitada, que fazem de tudo por uma renda extra continuam por aí. "O que os olhos não vêem, o coração não sente", diz o ditado, e isto vale para um país onde tudo é permitido, ou para aquele com lei rigorosa.

O jeitinho também não respeita classe social. Aliás, o nível sócio-econônimo só determina um fator: o tamanho do jeitinho.

Pobre rouba miúdos, como gatos pra pegar TV a cabo ou pra ter acesso a internet; rico rouba bocados, rombos milionários aos cofres públicos.

Muitos povos são conhecidos por suas características: a pontualidade britânica, a ambição norte-americana, o rigor dos alemães, a inteligência dos judeus, a capacidade de concentração dos japoneses. Talvez esteja na hora de reconhecermos a nossa característica nacional: o jeitinho do brasileiro.

Assim como estão tentando revitalizar a imagem do malandro, daquele boêmio carioca das rodas de samba e da capoeira - o "bom malandro" - , talvez esteja na hora de revitalizarmos também o jeitinho e talvez até redefinirmos sua concepção e encontrarmos algo de bom, o "bom jeitinho", quando toda esta capacidade criativa dos brasileiros para superar adversidades é utilizada pra algo que preste, e não apenas para prejudicar os outros.

Portanto, diga sim ao "bom jeitinho" (e torça para que, um dia, as notícias nos jornais sejam de jeitinhos a favor das outras pessoas)!