A Colcha de Miriam
A Colcha de Miriam
Miriam era de nobre berço. Desde muito cedo começou a tecer uma colcha. Passou séculos e séculos fazendo isso. A princípio foi uma labuta solitária, mas com o tempo ganhou adeptos. A cada etapa da jornada uma nova figura, um novo símbolo, uma nova cor acrescentava a colcha, cuja dimensão não se percebe à primeira vista. É possível, contudo, ocasionalmente, senti-la. Miriam esteve em toda parte, nalguns ganhou fama. Cada fama equivalia a uma chama, cada chama uma nova estampa.
Esteve nos recônditos da brutalidade medieval, nos burgos e nos feudos, nos lares insanos da renascença, na cegueira momentânea dos incautos - das colônias e das metrópoles - que pouco a pouco se industrializavam, no seio das mulheres de má vida, nos cortejos das crianças de toda sorte.
Miriam se provou incansável. Certa feita, o recém formado médico Bezerra de Menezes, recebeu a visita de uma menina, que bateu à sua porta numa noite de chuva.
- Minha mãe está muito doente, doutor. O senhor pode ajudá-la?
De valise na mão e a menina à frente, para indicar o caminho, subiram e desceram um sem número de vielas, até que a menina apontou para um casebre e disse: é aqui.
Num cômodo abafado e pouco iluminado, jazia no leito uma mulher abatida pela doença.
- Quem é o senhor? E o que faz nesta casa?
- Sou médico – disse ele – sua filha me trouxe até aqui.
- Minha filha...como pode ser? Minha filha morreu há 6 meses...
Algumas pessoas acreditam que Miriam foi a responsável por esse encontro. Que iluminou o espírito da menina até a porta do médico, para que este lhe salvasse a mãe.
Miriam esteve ao lado de navegantes, que quase sucumbiram nas profundezas do oceano. Atenuou o carma dos angustiados e deu força aos que padecem de aflições medonhas.
Costuma-se vez por outra, em várias partes do mundo, acender uma vela para ela. A vela é um meio de comunicação rápida com o reino de Miriam. Seu reino atua sobre o nosso, de acordo com a nossa permissão. Tal é a lei desse reino – nada por fora, tudo por dentro.
Cochicham que na colcha de Miriam estão gravados os segredos das religiões, os mistérios da ciência, a queda espiritual da humanidade e seu desejo de sair do fundo do abismo.
Aventam que na colcha de Miriam, entre os infindáveis retalhos cuidadosamente costurados, figuram muitas línguas, diversas bandeiras, inúmeros intentos.
Nesta época do ano comemora-se o aniversário de seu primogênito, Joshua, cuja forma helenizada do nome é “iesus”.
O que para muitos é uma lenda, para outros é um fato. Lenda ou fato, nesta terra os erros ocorrem por extensão e os acertos por exceção. Miriam não faz objeções. Faz parte de sua maneira de ser. Desde o início, aceitou de bom grado a sua missão, casando-se com um carpinteiro chamado José. Com o decorrer do tempo, tornou-se mais conhecida como Maria.