CONSCIÊNCIAS RESERVADAS
Era quarta- feira. 18 horas e 30 minutos. Passa o ônibus. Lotação: esgotada! Destino: meu lar, doce lar.
O cansaço era imenso e ainda assim, num súbito esforço, adentrei o coletivo. Aliás, naquele dia especialmente, não haveria nome mais apropriado para o longo veículo de propriedade municipal.
Após ter pisoteado uns 10 pés, involuntariamente é claro, consegui acomodar- me no assento destacado em amarelo, com um adesivo que enfeita os vidros do gigante, que durante o horário de pico, parece apequenar- se, tornando- se algo semelhante a uma lata de sardinha.
No ponto subseqüente ao meu, avistei vários outros braços, dentre os quais notei especialmente, o de uma senhora, já com seus 70, 72 anos.
Àquela altura chovia. O motorista, sem espaço, é obrigado a parar no meio da rua. O povo, compreensivo e educado, abre passagem à idosa, que com extrema dificuldade, sobe o degrau. Aliás, degraus deveriam facilitar acessos, jamais dificultá- los.
Bom, a senhora está dentro do ônibus. Desesperada por um assento, ela fita meus olhos. Porém, minha condição de deficiente e sobretudo o longo percurso que ainda tinha pela frente até minha residência, impediram- me de ceder o lugar, que por lei também lhe era garantido.
Logo à minha frente, no primeiro banco, sem restrições de uso, uma jovem, de no máximo 30 anos.
Não sei dizer se a velhinha percebeu minha deficiência. Talvez sim.
Fato é que ela, em pé, encontrou o único espaço que havia naquele carro, junto ao primeiro banco. Educadamente então, ela pede à jovem:
- Poderia me sentar filha? Estou cansada. A justificativa pareceu- me obrigatória para que a jovem pudesse levantar- se.
A resposta da bela moça deixou- me chocado:
- O reservado é o de trás- ríspida, seca, sem sequer olhar a estafa estampada no rosto da simpática senhora.
Não posso crer até agora que presenciei aquela cena. Foi para mim tão chocante, quanto será inesquecível.
Pensei muito.
Cheguei à conclusão de que, infelizmente, existem ainda, consciências reservadas ao próprio umbigo.