Urbano, miseravelmente urbano

Foi através da janela que Aline apontou uma árvore que ficava a certa distância de nós na modesta chacarazinha do seu quintal.

- E aquela ali? - me perguntou.

- Aquela ali... Deixa-me ver...

Fiquei em suspenso, provavelmente com aquela minha cara de bobo em face de um complicado problema, tentando adivinhar que árvore seria aquela que Aline me apontava. Meu Deus! a árvore tinha folhas enormes e largas, tais como as penas de um formoso pavão e o tronco era cheinho de escamas. Talvez uma palmeira... Lógico que não! Não poderia ser uma palmeira... Meu Deus, só pode ser...

- Uma bananeira!

Aline suspirou aliviada. Mas não aplaudiu o meu acerto. Àquela altura seu rosto denunciava, acima de qualquer coisa, o assombro pela demora de minha resposta. Qualquer pessoa razoavelmente leiga no assunto constataria que o meu caso era bastante grave, e que Aline estava correta quando não se dignou a me aplaudir. Realmente, devo confessar com um pesar na alma e com um semblante profundamente envergonhado que sou um ignorante no assunto.

Botânica, infelizmente, nunca foi o meu forte. Está certo que meus professores não foram lá essas coisas e que a escola não tenha ajudado muito, afinal nunca me levaram a uma horta, nunca me deram uma mudinha pra plantar. Mas também seria muita má-fé de minha parte responsabilizá-los pela minha ignorância (ou burrice?).

Creio que, por esse terrível pecado mortal, Deus teria todas as razões para me trancar todas as portas do Paraíso. Não, não sou digno de Ti, meu Pai, nem de Tua misericórdia, nem de Tua engenhosa criação. Sou um homem urbano, demasiado urbano, miseravelmente urbano. Minhas preocupações são bestas e triviais. É a hora de chegar à Universidade, o medo de perder o ônibus, as exaustivas apostilas acadêmicas, as coisas que diariamente me preocupam. E as contas de luz e telefone cada vez mais caras no final do mês... Meu Deus, como sou besta!

De toda Sua inumerável criação, não vou além de umas poucas frutas, flores e bichos. Das poucas frutas que sei, não me arrisco além daquelas que encontro nas prateleiras do supermercado. E ainda erro. De Tuas flores, uma me chama atenção especialmente pelo nome... Camélia. Camélia que já esteve num de meus poemas, um dos mais belos que já fiz, "Entre Vermes e Camélias". Mas a camélia que estava ali, no meu poema, não era criação Tua. Estava ali como palavra de certo idioma, um signo, uma mera convenção criada pelos homens para designar Tua criação. De Tua camélia, desconheço a cor e o cheiro, a sua graça essencial e gratuita. A camélia do meu poema não passa de um gracioso som que soa como música nos meus ouvidos, anunciando um sentido precário, e nada mais. Já a Tua, sem nome nem história, apenas existe, e por isso é comum e boa.

Meu Deus, sei que não convém de minha parte dá qualquer palpite em Tuas decisões, mas se eu fosse o Senhor mandava todas essas bestas que desprezam Tua criação para o quito dos infernos. Sou ruim, não teria um pingo de misericórdia. Mas sei que o Senhor é misericordioso e bom, e me perdoará. Por que eu prometo, eu prometo, meu Deus, criar vergonha na minha cara, e plantar o mais breve possível a minha pequena camélia. E assim, quem sabe, tanto o Senhor quanto a Alininha terão um pequeno motivo para se orgulharem de mim...

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 17/12/2008
Reeditado em 08/02/2010
Código do texto: T1340573