O Peru de Natal

O Peru de Natal

suzabarbi@hotmail.com

Claudão tinha um metro e noventa e oito.

Uns oitenta centímetros só de ombro.

Baita homem.

Não era gordo.

Era fortíssimo.

Quem o via, de cara pensava: é segurança!

Quem dera...

Claudão era bancário.

Aquela montanha escondida atrás de carimbos, papéis, burocracia.

Falava pouco mas observava muito.

Muitíssimo.

Foi quando percebeu que Regininha, publicitária pra lá de bonita, estava dando bola pra ele.

Sempre dava um jeito de levar assuntos para a agência que só ele sabia resolver.

Nem adiantava Trajano, o gerente, querer ajudar.

Também, Claudão pensou, Trajano ajudar em quê? Só sabia atrapalhar...

Um dia Regininha, sob os olhares de todos, entrou toda sorrisos na agência.

Não tinha quem não quisesse namorar Regininha.

Loura, bonita, sorriso farto.

Foi direto para a mesa de Claudão.

Entre um olhar e outro, convidou-o para sair.

Claudão, desorientado perguntou:

- Jura que quer mesmo sair comigo?

Ela, toda sorrisos, respondeu:

- Juro!

E deixou de boca aberta todos que viram a cena.

Regininha com Claudão??

Isso era tão absurdo que começaram a suspeitar dela.

Mas querer o quê de alguém como Claudão?

Para o espanto de todos (e inveja também), o interesse de Regininha era verdadeiro!

Em pouco tempo foram dividir o mesmo teto.

Apaixonados.

Ela publicitária.

Ele funcionário público.

Ela uma deusa.

Ele uma montanha de papel e carimbos.

Depois de algum tempo os problemas começaram.

Regininha não entendia como que aquele homem forte e inteligente agüentava serviço tão desprovido de graça.

Podia tentar uma promoção.

Era novo (e grande).

Tinha caixa (e como) pra novos vôos.

Ela fazia jingles para peças publicitárias.

No início, Claudão os escutava e achava tudo uma maravilha.

Com as investidas cada vez mais constantes de Regininha para ele arrumar uma promoção, o quê eram lindas musiquinhas passaram a ser um suplício desafinado.

Todo dia chegava em casa e tinha que escutar aquela maldição.

Preferia ir para o bar.

Tanto ela falou que ele resolveu, muito a contragosto, procurar Trajano, o gerente.

Trajano era um homem baixo e atarracado, que vivia a atazanar todos da agência, sobretudo quando “todos” precisavam dele.

Tão logo percebeu que Claudão estava de olho na promoção, não o desanimou. Até fez planos. Incentivava Claudão a querer cada vez mais ascender de cargo. E prometia ser aquilo possível.

- Quem casa, quer casa, né Claudão?

E soltava uma gargalhada cheia de pigarro, olhando os colegas e sugerindo atenção.

Claudão, sério e mudo, apenas olhava.

E pensava: não confio nesse anão de jardim...

E o ano foi passando.

Trajano continuava a estimular.

E Claudão a acreditar.

Isso deixaria Regininha feliz e seu casamento fora da zona de perigo.

Todas as promoções saíam na véspera do Natal.

Mas naquele ano, como que testando a ansiedade de Claudão, Trajano resolveu fazer suspense até a hora da festa.

Mesa posta, um belo pernil a ser servido, garçons passando bandejas com salgadinhos, cerveja, vinho e Regininha grudada no braço de Claudão:

- É agora. Você vai ver que ele vai anunciar o seu nome como o novo gerente de contas da agência.

Claudão, entre um copo e outro de cerveja, apenas soltava um inaudível muxoxo e olhava para Trajano que parecia estar distraído com a festa, sem preocupar com a aflição do homem.

- É agora, repetia Regininha. É agora!

- Quer parar, Regininha? Não vê que isso tá me dando nos nervos?

- Te dando nos nervos hoje, né? Pois os meus nervos estão assim o ano todo!

- Muito fácil pra você falar isso.

- Vai lá e pergunta. Anda!

- Regininha, Regininha...você tá quase me fazendo entrar em estado crespuscular de consciência.

- O quê é isso?

- Vai me dizer que não sabe o quê acontece com o sol no crepúsculo? Igualzinho ao que vai acontecer com a minha paciência...

- Não é consciência?

- Ah! Deixa pra lá!

- Quem tá me deixando, como é mesmo, essa coisa aí de crepúsculo, é você com essa pasmaceira de não ir lá e perguntar.

- Agora você passou dos limites. Me larga que eu vou ali tomar uma cerveja.

- Tomar cerveja numa hora dessas? Claudão, você quer fazer o favor de perguntar?

E Claudão se afastou, deixando Regininha linda e histérica sozinha na mesa.

Pouco antes da meia-noite, Trajano foi até o microfone e pediu a atenção de todos.

Regininha não se contendo, levantou e foi-se juntar a um Claudão taciturno e meio tonto.

- É agora, Dão. É agora que você vai saber que é o novo gerente da agência! Regininha mal se continha, mostrando risinhos nervosos a quem quisesse ver.

Trajano pigarreou e depois de um discurso cheio de piadinhas infames, anunciou:

- Tenho o prazer de informar que o novo gerente de contas de nossa agência é o Marcos de Moura, nosso querido MM.

Todas as atenções se voltaram para Claudão.

O suspense foi geral.

Regininha não conteve os soluços e saiu correndo em direção ao banheiro, deixando um Claudão mudo e vermelho para trás.

Depois de alguns segundos, Claudão caminhou até a mesa onde estava servida a ceia.

Em gestos lentos, pegou pelo osso o imenso pernil da bandeja e num único movimento deu a maior surra com o dito em Trajano.

Juntou a turma do deixa disso mas nada evitou que um Trajano todo sujo de gordura fosse parar no Pronto Socorro.

Não muito tempo depois, para a grande surpresa de todos, Trajano foi transferido para outra agência e Claudão escolhido para ficar no seu lugar.

Jogou no porco o resto do ano!