Ali Jaz o Passado

Quando eu tinha treze ou quatorze anos, e depois até mais ou menos trinta, adquiri o hábito de escrever em agenda. Acho que muitas das jovens dessa época tinham sua agenda. Ela era nossa melhor amiga, daquelas confidentes à qual podíamos contar tudo, escrever em códigos, abreviar palavras e ela sempre entendia.

Na maior parte das vezes contávamos a essa grande amiga segredos tão particulares e os registrávamos com caneta colorida, perfumada, etiquetas de borboleta que embelezava ainda mais o que lá estava escrito. Incontáveis clipes coloridos, de todos os tamanhos, afixavam fotos de jornal, de revista, papel de bala, palito de sorvete e aquilo se tornava um tesouro de valor incalculável. Era como se toda a nossa vida estivesse configurada pela metáfora daquelas colagens e desenhos, misturadas às palavras que pareciam legendar o significado daquilo tudo, embora fosse meio inútil, pois havia coisas que nem todas as palavras do mundo poderiam explicar.

Estou jogando coisas fora. Esse processo teve início há uns dois meses e até que não me deparasse com a minha caixa cheia de agendas antigas, elas estavam lá perdidas e arquivadas em algum lugar da minha memória.

Algumas delas bem antigas contêm coisas que me trazem saudade imensurável: de 1989 a 1994, todas as minhas agendas são recheadas de reportagens e fotos do ídolo da época: Ayrton Senna. Depois do acidente trágico que o levou à morte, fórmula 1 perdeu o sentido para mim e nunca mais acompanhei nada.

As anteriores tinham coisinhas de adolescência pura, histórias das paixonites, das aulas cabuladas, das excursões da escola, do estágio, segredos das amigas seguidos de declarações de “jamais nos separaremos”, selados com as bocas de batom vermelho (valiam mais que assinatura) que usávamos escondido.

Abri um saco de lixo bem grande, e coloquei-as quase todas lá. Falta colocar a última.

Aqui tem uma rosa que um dia foi cor-de-rosa. Olhando para ela, assim seca, parece que ainda é viva e perfumada... Queria saber por que nos prendemos tanto ao passado.

Talvez seja a garantia de conservar quem somos e o que temos, uma espécie de identidade. Talvez seja para perpetuar momentos que desejaríamos reviver. Ou quem sabe ainda, para deixarmos o nosso lado masoquista sofrer um pouco mais.

Nesse clima de retrospectiva, o balanço geral foi:

- de todas as amigas que tive apenas uma delas cumpriu comigo a promessa de nunca nos separarmos;

- realizei alguns sonhos, outros se tornaram completamente obsoletos;

- nada mudou em minha vida quando fiz dezoito anos, exceto pelo acúmulo de responsabilidades, pelo aumento da carga horária de trabalho e de contas para pagar;

- continuo chorando por quase todas as mesmas coisas e por muitas outras que me contrariam ou me felicitam ao longo dos anos;

- sou mais feliz hoje do que aos vinte anos;

- nunca vi ninguém morrer de amor, nem mesmo eu;

- príncipe encantado não existe, mas o dono do coração da gente reina absoluto.

Hoje não escrevo mais em agendas e também não tenho hábito de usá-las para o fim a que se destinam.

Para o calendário que arrasta os dias impiedosamente, não dou importância. Não irei fazer promessas para o ano novo, porque todo dia é novo e os quero todos. Um após o outro. Se de janeiro a dezembro é um espaço estabelecido para cumprir obrigações sociais, civis e metas impostas por essa sociedade sedenta de progresso que ainda vai exterminar nossa raça, quero lançar mão de tudo o que é nocivo, medíocre e improdutivo.

Quero ser uma pessoa melhor, quero ser mais gentil e amável, quero ter dinheiro - e bastante- para me proporcionar momentos de maior prazer e aos que amo também.

Já que é inevitável, que venha 2009 e que mergulhemos todos nele desprovidos das correntes pesadas do passado.

Só quem é livre pode ser verdadeiramente feliz.

Lá vai a última agenda para o lixo!

Fernanda Vaitkevicius
Enviado por Fernanda Vaitkevicius em 16/12/2008
Código do texto: T1339327
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