O RATO E O FATO

O RATO E O FATO

Sei que muita gente não vai acreditar, mas assim mesmo vou contar o que aconteceu num dia desses. Acho que vale a pena, porque essa estória encerra um ensinamento de vida muito importante para o dia-a-dia das pessoas. Aconteceu em Visconde de Mauá, anos atrás.

Amanhecera um dia ensolarado, como sempre acontece em pleno verão aqui na serra e me dispus a organizar uma pilha de lenha que estava no jardim, mudando-a de lugar para secar ao sol. Comecei a empilhar os troncos maiores, deixando os mais finos para ficarem por cima. Quando cheguei aos últimos paus da pilha antiga, no meio da grama crescida por debaixo, bem no local onde levei a mão para apanhar um dos últimos pedaços de lenha havia uma cobra venenosa. Ela estava enroscada, pronta para o bote, mas não se moveu. Dei um salto para trás, tropeçando no carrinho de mão. Levantei, rápido e ela nem se moveu. Continuava lá, no mesmo lugar, impassível. Um raio de sol por entre as folhas do pessegueiro a estava iluminando e permitiu identificá-la pelas cores, forma do desenho dorsal, disposição das escamas, formato do olho e da cabeça e a presença de uns orifícios ao lado de cada narina chamados "fosseta loreal", como sendo uma urutu (Bothrops jararaca) cujo veneno torna o sangue da vítima incoagulável. Elas atingem até um metro e meio de comprimento e essa tinha apenas 50 centímetros. Era, portanto, um filhote. Munido de uma lata e uma vara de bambu, convenci a cobra de entrar na lata e com muito cuidado tampei-a com um pedaço de tela de arame. Tinha a intenção de remetê-la ao Instituto Butantã em São Paulo, onde elas são usadas para a fabricação do soro específico contra picadas de cobra. 0 Butantã só recebe cobras vivas pois o veneno é retirado à medida que vai sendo produzido nas glândulas que existem na raiz das presas bucais das cobras venenosas. Os técnicos extraem manualmente essas gotas mortíferas e injetam quantidades controladas em cavalos selecionados, capazes de resistir à morte pelo veneno. No sangue desses cavalos surge uma quantidade enorme de anticorpos contra o veneno da cobra injetado. Depois de alguns dias, retiram parte do sangue desses cavalos, filtram-no para obter esses anticorpos do qual é fabricado o soro para uso humano.

Bem, lá estava eu, com a cobra na lata e teria que alimentá-la até o dia que pudesse enviá-la para São Paulo. Aí, eu fiquei pensando... _ De que se alimentam as cobras ? Geralmente de pequenos animais vivos, sejam de sangue frio (como as pererecas e sapos) como também de pequenos roedores.

Lembrei que no ranchinho onde guardo o milho colhido os ratinhos "faziam a festa". Então preparei uma armadilha para pegar um vivo. No dia seguinte bem cedo fui ver a engenhoca e lá estava o ratinho assustado querendo escapar da gaiolinha. Não era dos maiores, mas como a cobra também era pequena, achei que um caberia dentro do outro. Daí, ajeitei um latão grande, desses que a gente usa para juntar lixo, cuja "boca" ficava numa altura que eu julgava suficiente para o ratinho não alcançar (no pulo). Coloquei a cobra dentro do latão e ela se enroscou no fundo. Em seguida, com um pouco de remorso, transferi o rato para o latão. Pobrezinho, quando percebeu a cobra ficou em pânico. Tentava escapar de qualquer maneira, pulando o mais que podia, sem entretanto alcançar a borda do latão. Angustiado, eu assistia sua aflição e a cada salto o rato caía sobre a cobra e esta se defendia tentando morder o rato, sem conseguir alcançá-lo. De repente, o pequeno ratinho parou de pular e ficou o mais longe possível da cobra, olhando bem para ela, como que avaliando a situação. Inesperadamente, avançou sobre a cobra e a mordeu bem próximo da cabeça! A cobra iniciou uma série de movimentos desordenados e foi se aquietando. Com coragem renovada, o ratinho deu um último salto e transpôs a borda do latão - para a liberdade! Sem acreditar no que acabara de presenciar, fui ver a cobra. Estava morta da Silva!

No primeiro momento senti muita raiva daquele rato, que matara a minha cobra venenosa. Em seguida, passei a admirar a coragem daquele ratinho, que pôde livrar-se do "inevitável" apenas dominando o medo.

Ahli Bena Skina
Enviado por Ahli Bena Skina em 15/12/2008
Código do texto: T1337357
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.