Brincar de casinha

Quando eu era criança as meninas brincavam de casinha. A mandona era sempre a mãe. As amigas faziam o papel de vizinha, de amigas ou da empregada. E as bonecas eram as filhas. A “casa” podia ser no quintal, num canto do terraço ou no quarto.

A mãe carregava a boneca no colo, dava mamadeira,trocava fraldas. A toda hora chamava a empregada e, com voz firme, “mandava” fazer as compras: vá à padaria comprar pão e leite. E fingia pegar dinheiro da carteira. Mas não demore. Logo em seguida, ninava sua filhinha, andando de um lado para outro, chacoalhando a boneca. De repente, esbravejava com o nenê. Pare de chorar, senão vou te pôr de castigo!

A “empregada” não gostava muito da brincadeira, queria carregar a boneca, mas a mandona não deixava. As meninas discutiam. Então vamos brincar de outra coisa, vamos fazer comidinha. E a mandona pegava as panelinhas, fingia remexer os alimentos (pétalas de flor ou folhinhas rasgadas) enquanto a outra (ou as outras) providenciavam tudo o que ela pedia. Quando alguém pegava a boneca esquecida, a mandona logo dava uns gritinhos. Ponha minha filha na cadeira, eu já vou dar papá pra ela.

Raramente os meninos participavam da brincadeira. Eram “o pai” ou “o médico”. Se fosse pai, chegava para o jantar e queria ler o jornal. Se fosse o médico, mandava a boneca dizer “AAAA” ou repetir "trinta e três, trinta e três”. Receitava um remedinho e ia embora. Eles não agüentavam muito tempo, de repente saíam correndo atrás de uma bola.

Nos dias de hoje as meninas ainda brincam de boneca, mas de outro modo. Vestem e despem as Barbies, “vão” a lojas chiques comprar novidades. “Voltam” com minúsculos sapatinhos, brincos, tearas e colares e se põem a enfeitá-las. Cada menina tem a sua boneca. Só emprestam os apetrechos.

Elas brincam também de escritório. Como suas mães, vão para o trabalho. Organizam cadernetas, papéis, lápis e canetas sobre a mesa. Falam ao telefone, fixo ou celular. Pode ser com um cliente, com o marido ou com a filhinha que ficou em casa. Já ouvi uma garotinha conversando com a “filha”: “faça a lição direitinho. Depois tome banho e me espere cheirosa, viu? Seu pai? ... ai, ele anda tão chato...”