Aproveitando a Situação

Aproveitando a situação

suzabarbi@hotmail.com

Sábado, 8 da noite.

Ela tinha acabado de chegar de uma viagem de negócios.

Exausta.

Um festival de desencontros, agendas que não caminharam, atraso de vôo, tudo isso tinha acabado com suas reservas de bom humor.

Era incapaz de outro pensamento que não fosse um bom banho e uma cama com lençóis cheirando a lavanda.

Mas o mundo conspira contra os seres cansados...

Ao entrar no banheiro, notou que a pia estava esquisita - retinha mais água do que o normal.

Tentou um "desentope" manual e nada.

Pensou:

– Lei de Murphy! Logo hoje a pia tinha que entupir.

Não estava com a menor energia para lidar com aquilo e nem achou que fosse algo que não pudesse esperar até o dia seguinte para ser resolvido.

Foi dormir.

De madrugada, acordou achando que estava viajando de barco.

Um barulhinho de água constante estava no seu sonho (?).

Assim que percebeu que aquilo não era trilha sonora de sonho, levantou e foi olhar o que estava acontecendo.

O banheiro estava a-la-ga-do!

A água já estava no corredor rumo à sala.

Entrou no banheiro para ver o que estava causando aquele vazamento.

Aparentemente, ela tinha deixado a torneira escorrendo um filete de água.

Com a pia entupida, a água foi acumulando e deu-se a inundação.

Quem dera fosse só isso.

Reunindo todas as suas forças, foi até a área de serviço, pegou um rodo, um pano e iniciou o trabalho de tentar barrar a água, que já chegava ao meio da sala.

Ao torcer o pano no vaso e dar descarga, seu mundo virou mar.

A descarga não parava e um rio de água descia do registro para o chão.

Tentou fechá-lo mas já era de se esperar que ele estivesse emperrado.

A água descia torrencialmente, inundando tudo.

Quase chorando, numa situação que realmente exigia um remédio faixa preta, pensou:

-Por que não temos dublês na vida?

Naquele momento, enquanto dormia profundamente, seu dublê ficaria no banheiro tentando contornar uma situação incontornável.

Nunca duvide: para o mau não há limite, portanto em casos de emergência tudo pode ficar ainda pior.

A campainha tocou.

Assustada, afobada, molhada e sem dublê, pegou a primeira blusa que viu pela frente e foi ver quem era numa hora daquelas.

Era o vizinho de baixo.

O apartamento dele estava inundando também.

Perguntou se ela tinha uma chave de fenda; claro que ela não tinha; ele saiu às pressas para pegar uma; voltou, entrou no banheiro e numa operação maluca de encaixa-torce-puxa, conseguiu fechar o registro e a água finalmente parou de vazar.

Exaustos, olharam desanimados para aquele apartamento cheio de água.

– O seu está assim também? ela perguntou.

– Não tenho mais banheiro. Tenho um aquário!

– Quer uma toalha?

– Acho que nós dois estamos precisando de uma!

Foi até o quarto e quando voltou ele estava com o rodo na mão, tentando enxugar a sala.

– Você é novo aqui? (afinal, ela nunca o tinha visto no prédio)

– Sim. Mudei na quinta-feira.

– Seja bem-vindo!

E caíram no riso.

A situação era tão inusitada que parecia que já eram amigos de infância.

Ela ofereceu-lhe uma bebida, conversaram, riram mais um pouco e ele propôs:

– Que tal irmos para um lugar mais seco?

– Topo!

Ela achou que a situação tinha-lhe desparafusado alguns miolos, pois apenas duas horas depois de ter conhecido o vizinho, estava no seu carro seguindo um caminho que sabia muito bem onde a levaria.

Para não tornar as coisas muito fáceis, fingiu espanto e nem acreditou quando se viu perguntando-lhe:

– Onde você pensa que está me levando?

Ele diminuiu a velocidade do carro e muito gentilmente respondeu:

– Pensei que estaríamos melhor num lugar seco, onde pudéssemos tomar um banho mas se você não quer, sem problema , voltamos agora.

Ela fez cara de paisagem e falou:

– Imagina! Só estava querendo saber onde estávamos indo...

Ficaram juntos durante um bom tempo e, naquela noite, agradeceu não ter tido dublê , (apesar de sempre pensar em um às segundas-feiras).