Hemingway
O homem sentado, bem vestido esportivamente, aparentava ter passado dos cinqüenta e cinco anos. Eram onze horas e poucos minutos, céu claro, mar limpo, céu transparente.
Bebia um gim-tônica, lentamente, enquanto escrevia num caderno de boa aparência. Via-se que não tinha medo, fato incomum nos dias atuais. A caneta era uma Parker 51, com a tampa em ouro. São poucos os que se atrevem a cometer atos assim. Qualquer desocupado com intenções menos honestas poderia com facilidade roubar seu precioso objeto.
Atento ao que escrevia, pouca importância dava ao fato. A caneta corria firme, com pequenas observações de quem estava redigindo à beira-mar.
Misteriosa figura. Corpulento, de bermudas e camisa pólo impecáveis, sapatos tipo mocassim leves e confortáveis, só prestava atenção ao que escrevia, ninguém sabe o quê, além dele. O gim-tônica descia vagarosamente, embora tomado em doses significativas. Acendeu um cigarro, fato que hoje é bastante incomum, mas tempo era passado. O garçom serviu outro copo, limpo, quando percebeu que já havia chegado a pouco menos da metade o que estava na mesa. Recebeu um leve aceno de cabeça, como aprovação.
A caneta corria, cada vez mais. As leituras de revisão eram poucas. Tudo fluía como um verdadeiro rio correndo nas suas margens. Pela expressão de quem escrevia, o resultado era bom.
Outro cigarro, e mudança de copo. Bebia quatro, antes do almoço, segundo os locais, que apreciavam o trabalho solitário e constante daquele homem de barba branca, vezes aparada, vezes não.
O bar ainda existe. A cidade é Havana, Cuba.
O homem, todos dizem, era Ernest Hemingway, quando escreveu “O Velho e o Mar”, talvez o melhor livro de alguns séculos passados. Santiago continuava lutando contra o espadarte, sozinho e sangrando nas águas do Golfo. Falando consigo mesmo. A falta de Manolín, o menino que o acompanhava, era grande. O Sol queimava-lhe os olhos. Tudo era contra, mas Santiago desafiava o combate. O peixe era um lutador. Sente-se a Vida, o drama humano.
É o que contam...