Bem Precioso

“A vida privada, um bem tão precioso quanto a autonomia financeira e a realização profissional”.* Quantos brasileiros teriam o que pensar a respeito de uma afirmação desse tipo? E o que pensariam? Será que o cara tá querendo dizer que ficar em casa é tão importante quanto trabalhar e ganhar dinheiro?

Longe de querer subestimar a inteligência de nosso povo. Afinal, nele me incluo. Acontece que o problema da utilização mais adequada do tempo em nossas vidas não é apenas brasileiro. É universal. E não tenho visto aqui em nosso país grandes preocupações a esse respeito. A começar pelo tempo (de vida) que perdemos em nossos carros, em engarrafamentos intermináveis e diários, ocorrendo com uma freqüência e duração cada vez maiores. Tudo porque o modal rodoviário é praticamente o único em nosso país.

Num certo sábado, decidi trazer para jantar na Barra da Tijuca, onde resido, um amigo que viera de Curitiba para me visitar. Tinha vindo prestigiar o lançamento de um livro meu. Como se hospedara em Copacabana, fui buscá-lo de carro na porta de seu hotel, na Avenida Atlântica. Saí da Barra às 17h15, mais ou menos. Às 21h45 conseguimos chegar em casa, com minha esposa, bem desgastada, desde às 19h30 aguardando-nos com a mesa pronta.

Se somarmos tempos perdidos como esse ao longo dos anos, vamos verificar que jogamos fora, em nossas existências, perto de um outro ano, ou mais, impossibilitados de realizar alguma coisa de útil, seja em casa ou no trabalho. O que é irrecuperável. Como também o são os desgastes emocionais que somos levados a experimentar e que, ainda que indiretamente, na maioria das vezes, proporcionamos às pessoas que nos são caras.

É na vida privada que buscamos o conforto que muitas vezes nos alivia e combate algum início de depressão; que tomamos importantes decisões que poderão ser úteis em nossas vidas; que podemos dar o conforto e apoio de que precisam os que queremos sempre por perto; que temos a chance de possibilitar os diálogos que precisamos ter com nossos filhos; que podemos nos dar ao luxo de amar, em condições ideais de conforto, a quem queremos, seja no plano físico ou espiritual, etc. E certamente ainda haverá inúmeras situações cuja ocorrência será preferível no tempo que sobrar para a nossa vida privada. Como escrever um poema ou um texto como este, ainda que para ser lido por poucos. Ou loucos.

A autora da frase com que abrimos esta redação, nos mostra, em seu livro “Reengenharia do Tempo”, que o trabalho tradicionalmente realizado por mulheres, muitas vezes no ambiente familiar – cuidar das crianças, dos idosos e de doentes –, continuou a ser exercido por elas, só que fora de casa, “em troca de um salário pago pelo Estado” ou por uma empresa particular. Claro que isso representou autonomia financeira para a mulher, além do aumento da capacidade de absorção delas pelo mercado de trabalho.

Mas haverá salário que possa provocar um apego recíproco entre o doente e quem cuida dele? Ou será esse apego uma conseqüência natural da interação entre essas duas pessoas, não dependendo necessariamente do que uma ganha para cuidar da outra? E até que ponto a remuneração por esse tipo de trabalho não influi no enfraquecimento da solidariedade que normalmente deve existir entre homens e mulheres?

Rio, 15/12/2008

*citação de Rosiska Darcy de Oliveira, em seu precioso livro “Reengenharia do Tempo”

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 15/12/2008
Reeditado em 18/12/2008
Código do texto: T1336178
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