"Na Terra de Carlos Drummond de Andrade" =Crônica de saudade=
Na cidadezinha onde nasceu Carlos Drummond de Andrade eu tomei o melhor banho solitário de toda minha vida. Foi em uma cascata localizada embaixo das raízes de uma árvore imensa, multisecular, de onde eu avistava, sem ser visto, quase que toda a pequena cidade do interior de Minas.
Foi um longo momento maravilhoso. Eu ali, sozinho, inteiramente nu, recebendo no corpo uma imensidão constante de água fria, ensaboando-me, com vontade mas lentamente, muito lentamente, enquanto olhava a paisagem. Senti, pela primeira vez na vida, o que era a mais completa e total liberdade. Água, banho, nudez, paisagem linda, tranqüilidade total, sossego absoluto, tudo junto, tudo ao mesmo tempo, tudo parecendo parado no tempo. Como brinde especial, um sol maravilhosamente quente, dourado, parecendo esperar por mim para secar-me naturalmente.
Logo que acabei de vestir-me, com pena por fazê-lo, chegou um bando de garimpeiros dispostos a tomar o mesmo banho que eu acabara de tomar. Senti inveja deles por fazer o que eu não queria parar de fazer, mas sempre foi contra meus princípios ver homens pelados. Visão detestável. Caí fora.
Até hoje, quase trinta anos depois, quando ouço a palavra liberdade, ainda me vem à cabeça aquele banho solitário e privilegiado. Aquele momento mágico em que me vi inteiramente nu, olhando uma cidade lá de cima, curtindo a solidão do momento e sem motivo algum para sentir-me tolhido, cerceado, vigiado, criticado ou mesmo observado. Um momento que se tornou uma bela imagem “congelada” em meu cérebro.
Caso me tenha feito entender, ótimo. Caso não tenha, não faz mal. Eu sei o que senti naquele momento mágico e entendo minha incapacidade ao tentar transmiti-lo. Existem certas coisas que se tornam melhores quando guardadas para consumo próprio...