ELA

Hoje eu almocei com pessoas "religiosas”. Não eram pessoas que apenas praticam a religião, que, por sinal, não é a minha - aliás, eu esqueci que não tenho nenhuma religião...

São pessoas que vivem 24 horas, em todos os dias de suas vidas, a religiosidade e o bem. Enquanto muitos vivem o dia-a-dia de um mundo cruel, SEM CARÁTER, SEM VERGONHA, SEM DIGNIDADE, algumas pessoas estão de plantão para o amor universal. E eles trabalham, comem, respiram amor. Eu não sei se eu saberia seguir algo tão rígido assim. Eu erro muito!

O almoço foi ótimo. Descobri um frango aqui perto de casa que não me deixa o dia todo tentando digerir bicarbonato de sódio... Fora isso, o encontro casual foi providencial.

Ainda pensei que iam encrencar com meus palavrões (que saem sem eu sentir), mas nem se esquentaram. Durante a conversa rolou um papo sobre Deus e outras coisas mais. Anos de muitos dramas convividos em comum, que ditos assim, parecem conversa fiada, mas não são. Se eu escrevo sobre eles, mesmo omitindo anos de acontecimentos, tento neste momento passar o meu sentimento.

Pessoas que fizeram parte de muitos momentos dramáticos em minha vida, quando eu não pensava ter ninguém que me entendesse. Pessoas que me ligaram ao telefone e disseram: “Toque sua mão na cabeça da sua mãe (semi-consciente), que eu vou fazer uma oração!”.

Foram duas vezes que Ela me ligou para este fim. Eu estive um ano de minha vida exclusivamente trabalhando para salvar uma pessoa – minha mãe. No meio de tantos dramas ELA um dia me ligou e rezou ao telefone. Foram palavras que eu ouvia com tanta sinceridade e tanta força que me fizeram muito bem.

No dia seguinte minha mãe pedia pra tomar café da manhã, acordada, depois de semanas em que se hospedou em outro mundo. Os médicos não entendiam Nada, pois eles eram incompetentes demais e não estavam nem aí para nada. Eu estava num hospital de elite, em meio a profissionais despreparados para tudo, misturados a dois ou três que faziam a diferença (dezembro a fevereiro de 2003, Rio de Janeiro).

Por outra ocasião ELA novamente ligou. Daquela vez minha mãe estava no CTI, mas consciente, e conversou com ELA ao telefone. Não sei o que falaram. Eu apenas olhava atenta a expressão de minha mãe. E posso dizer que a partir daquele dia coisas aconteceram.

Vamos às coisas práticas:

Na primeira vez minha mãe estava quase em coma por causa de uma insuficiência renal. Ela não me reconhecia e lutávamos para que ela não precisasse entrar numa máquina de hemodiálise para sempre. Mesmo entrando na tal máquina, ela só melhorou imediatamente depois daquela ligação.

Na segunda vez, algum tempo depois, sem mais nem menos, e sem saber o que acontecia, ELA ligou num dos momentos mais críticos da vida de minha mãe. As palavras DELA foram o que faltava para que minha mãe melhorasse na manhã seguinte, mesmo com toda a parafernália da medicina. Não porque ela fosse tão superior assim (ninguém é), mas porque um amor maior, um amor incondicional nos uniu a DEUS naquele instante, e ELE resolveu nos escolher.

Hoje eu almocei com Ela e seu marido. Nós conversamos coisas tão corridas, tão superficiais que não davam pra resumir todos os anos que foram comuns às nossas vidas.

A certa hora seu marido disse: “Tá vendo aquele lá que se embriaga, na mesa ao lado? Deus o ama como me ama!”.

Eu não estava nem aí com o que ele falava, mas sentia a convicção das suas palavras. Eu, apesar de não ter a mesma formação religiosa, sentia um calor de amor à nossa volta. Não concordava com tudo que falavam, mas eu percebia que eu estava envolvida em puro amor, talvez um amor que eu jamais vá entender.

Conversamos sobre coisas pessoais, intensas para nós, mas que não fariam diferença no mundo. Seja como for, Deus almoçou um galeto conosco hoje, sem bicarbonato de sódio, e compartilhamos saladas, tristezas e alegrias.

O que mais me emocionou foi quando a gente saiu do restaurante. ELA virou de costas, me abraçou e me beijou. Nós nos beijamos em meio à gente comendo galinhas....

O pessoal nos olhava meio escabriado.. Não seria o melhor lugar para se cumprimentar, ainda mais depois de almoçarmos juntas. Mas naquele momento dissemos tanta coisa, mas tanta coisa em silêncio, que somente nós duas podíamos ter a dimensão do abraço que demos.

Leila Marinho Lage
Rio, 15 de dezembro de2008
http://www.clubedadonameno.com

Ouçam Jingle Cats/White Christmas

http://www.youtube.com/watch?v=Lv_-jO4o5Xo

Leila Marinho Lage
Enviado por Leila Marinho Lage em 15/12/2008
Reeditado em 11/10/2009
Código do texto: T1336031
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