Crônica de Natal
Faz tempo, mas lembro como se fosse ontem. Um dia, minha filha constatou, séria: “Já sei de tudo... Papai Noel é você”. E acrescentou: “O bom é que agora posso te ajudar a ser Mamãe Noel”.
Ísis, que nunca leu Martha Medeiros, aos 7 anos matou a charada: se Papai Noel não existe, o espetáculo todo só pode ser coisa de mãe. À luz da razão, o Natal é, sem trocadilho, uma festa perua. Juntos, sinos, laços, guirlandas, bolinhas, arranjos, luzes e brilhos parecem gritar: reparou, não? Uma presepada. Como diz a velha piada, homem vestido dos pés à cabeça de vermelho, cheio de pompons, chamado de Santa nos Estados Unidos, que só sai de casa no dia 24, levado por um monte de veados e que dá pra todo mundo ... não existe.
Convenhamos, os preparativos para a celebração do Natal têm tudo que homem abomina. A começar pelas compras, que demandam planejamento, paciência, detalhismo e mente detetivesca. Não vale esquecer de ninguém - do vigia da rua ao afilhado. Tem que descobrir exatamente o que a tia gostaria de ganhar, batalhar vaga no estacionamento, passar horas no shopping lotado e fazer mágicas para tudo caber no orçamento. Há que ter criatividade e imaginação para não repetir a decoração, o menu, as brincadeiras, os votos - tudo para que o espírito natalino sobreviva à banalização consumista da data.
Natal exige palavras ternas e doces. O que os homens chamam de ditadura da bondade, a súbita generosidade que envolve a todos nós, as mulheres preferem chamar de salvo conduto do amor. E tem a questão da comida, tem que pensar no peru. Aquele peru duro e seco, que enfeita e encalha na mesa é assim porque é assado. É nas ceias de Natal que anualmente ressuscitam os tipos folclóricos, ameaça à estabilidade emocional de qualquer um. Menos da Mamãe Noel, que tem jogo de cintura suficiente para neutralizar a combinação explosiva de álcool e mágoas familiares.
É óbvio que Papai Noel não existe. Homem é prático: meu marido certa vez sugeriu deixar toda a decoração montada, para facilitar o trabalho no ano seguinte. Homem tem dificuldade em suspender a realidade para viver a fantasia momentânea da paz universal. Homem é distraído: por conta deles, a Missa do Galo vira celebração do timão mineiro e a coroa do advento termina o período com as velas dominicais intactas. Homem é ocupado, não tem tempo nem disposição para compras, fica de saco cheio num instante. Não é que façam corpo mole, é a força da inércia: em lugar de carregar - o saco de presentes, o pinheiro, as caixas de cerveja -, alguns só saem da festa carregados.
É natural, somos todos humanos. Menos as mulheres: nessa época baixa um espírito nelas e elas dão conta de tudo. E ainda curtem, sorridentes, a festa. E depois lembram de colocar os biscoitinhos para quando o Papai Noel passar, recolher a louça, tirar a maquiagem, colocar os presentes ao pé da árvore depois que todos dormirem, rezar para Jesus abençoar a família. E se deleitar na manhã seguinte com a alegria e surpresa dos filhos, mesmo que já nem tão crianças.
A magia é tanta que nem a decepção pelas descobertas da inexistência do bom velhinho ou de que mesmo as mamães-Noel não são eternas consegue apagar. De mãe para filha a tradição se perpetua. Só pode ser obra divina.
Feliz Natal a todos nós que somos ou temos a sorte de conviver com Mamães Noel.