UM DIA EU FUI PAPAI NOEL
Concentrado em meus afazeres não percebi a porta se abrindo e quando olhei vi a tenente Zuleide sorrindo para mim. Levantei-me rapidamente e a cumprimentei:
- Bom dia tenente. Em que posso ser útil?
- Com um sorriso no rosto a Oficial respondeu-me:
- Bom dia Papai Noel.
- Como? Não entendi, tenente.
- Continuando a sorrir ela então falou:
- Bem, sargento Ramos, incubiu-me o sr. Comandante de organizar este ano uma festa de confraternização diferente das anteriores. Então apresentei a proposta de realizarmos além do almoço e da tradicional troca de presentes de amigo oculto, uma festa de Natal para os filhos dos nossos militares com direito a uma tarde de diversões, guloseimas e distribuição de presentes que serão entregues pelo Papai Noel.
- Sei. Estou entendendo, tenente. Mas em que poderei ajudar?
- Sargento Ramos, temos na nossa organização cinco militares com o perfil físico do Papai Noel, porém só você tem além do perfil físico o bom humor, a desenvoltura e a capacidade de desempenhar o papel do bom velhinho para nossas crianças. Apresentei a idéia ao sr. Comandante e aos demais Oficiais e todos foram unânimes em escolhê-lo como o Papai Noel do Colégio Naval.
- Mas tenente, eu nunca fiz isso...
- Por favor sargento, diga que aceita esta missão. Aposto que a cumprirá com êxito e fará as nossas crianças felizes na nossa festinha de Natal.
- Tá certo tenente, tentarei fazer o máximo que puder, mesmo porque meus filhos também estarão presentes na festa.
No dia seguinte eu compareci a um alfaiate para tirar as medidas a fim de confeccionar a roupa de Papai Noel. Depois foram adquiridos os demais apetrechos: cinto preto, peruca branca, barba postiça, botas pretas e luvas brancas. Após alguns dias e dois testes para experimentar a indumentária tudo estava pronto e era só aguardar o grande dia. O dia da minha mais incrível missão como militar.
O dia estava lindo! O sol imperava majestoso no céu azul e sem nuvens. O calor prenunciava como seria quente naquela manhã de dezembro. Confesso que estava temeroso de não conseguir levar a missão a cabo. Porém imbuido no dever de cumprir ao que me propuz inspirei fundo e fui em frente.
Após o almoço de confraternização e a troca de presentes no “amigo oculto” finalmente chegou a hora. Munido de uma maleta onde estava guardado todo o material (roupa e apetrechos) do Papai Noel, embarquei em uma lancha com alguns companheiros e nos afastamos um pouco da área do Colégio Naval. Contornamos a ponta da Tapera e fundeamos na Praia do Bonfim e comecei a me vestir com aquela roupa vermelha. Me senti estranho. À medida que me vestia ficava imaginando qual seria a reação das pessoas principalmente das crianças quando me visse daquele jeito. Totalmente arrumado falei ao companheiro que pilotava a lancha que poderia retornar. Quando contornamos de volta a ponta da Tapera começaram os fogos enquanto a banda de fuzileiros tocava músicas natalinas. Confesso que me deu um calafrio apesar de estar suando muito por causa do calor e da roupa e senti vontade de desertar da missão, pular na água e nadar para longe. Enquanto mil pensamentos passavam pela minha cabeça a lancha aproximava-se do cais e percebi que as crianças estavam indóceis à espera do Papai Noel. Quando a lancha aproximou-se do cais resolvi finalmente encarar de vez a missão: na proa da lancha eu acenava para todos com um saco vermelho às costas cheio de bombons de chocolate. Ao desembarcar senti receio do que poderia acontecer pois o pessoal da segurança não conseguiu conter as crianças que invadiram o pier e vieram escoltar o “bom velhinho”. Através de um megafone saudei a todos e falei: “Ho, ho, ho... Feliz Natal.” Minha voz estava embargada por causa da emoção e quase que eu não conseguia falar. Fui praticamente empurrado para o pátio interno pelas crianças que me cercavam e queriam a todo custo tocar em mim. Senti a sensação de gado indo para o abatedouro. Ao olhar um pouco mais afastado vi meus filhos com familiares olhando tudo aquilo sem me reconhecer. Não me contive e as lágrimas que até então estavam contidas cairam copiosamente misturando-se com o suor do meu rosto.
Finalmente no pátio interno sentei em uma cadeira toda especial preparada para o evento e aguardei alguns instantes enquanto a muito custo a tenente Zuleide e mais alguns companheiros organizavam as crianças em fila para poder falar e tirar fotografias com Papai Noel. Eu não poderia mais desistir mesmo que quisesse. Estava cercado por crianças que se fartavam em guloseimas generosamente distribuidas enquanto a banda tocava as musiquinhas de Natal. Ordeiramente as crianças vinham a mim com seus olhinhos espantados e surpresos trazendo-me pedidos de presentes ou simplesmente dando-me um beijo enquanto seus pais tiravam fotos para guardarem de recordação. Enquanto conversavam comigo eu distribuia os bombons de chocolate que trouxera no saco. Os pedidos eram corriqueiros, coisas de crianças. A maioria pedia presentes. Meus filhos chegaram a mim e não me reconheceram. Eu cochichei para eles: sou eu, papai. O mais velho sem reconhecer sequer minha voz disse: eu sei. Você é o Papai Noel, e riu com seus olhinhos brilhando. Eu não discuti. Deixei para contar tudo a eles quando chegasse em casa.
A fila de crianças parecia não ter fim. Alguém aproximou-se de mim com uma garrafinha de água mineral e disse: “É para o sr. não desidratar com esse calor”. Agradeci, levantei um pouco a barba postiça e bebi a água. Um pouco depois uma criança aproximou-se de mim com um olhar distante que logo me chamou a atenção. Diferente das demais que estavam extasiada com a festa aquele menino veio a mim com um mixto de amargura e tristeza. Convidei-o a se aproximar e o abracei e beijei no rosto. Perguntei porque não estava contente e o que gostaria de ganhar de presente de Natal. A resposta da criança deixou-me estarrecido. O menino do olhar triste murmurou para mim que não queria presente, e sim que o seu pai parasse de beber e ao chegar em casa bêbado não brigasse mais com sua mãe nem batesse tanto nele e no seu irmãozinho menor. Naquele momento foi como se a banda tivesse parado de tocar repentinamente e tudo se tivesse se envolvido em um silencio profundo. Fiquei alguns segundos olhando o menino e mais uma vez as lágrimas afloraram meus olhos e despencaram sobre a barba branca. Abracei aquele pequeno ser que me pedia uma coisa que talvez eu não pudesse resolver. Beijei mais uma vez seu rosto, presenteei-o com bombons de chocolate e perguntei o nome do pai dele prometendo conversar com o seu papai depois da festa. Agradecendo-me o garoto afastou-se de mim e foi para um canto do pátio comer seus bombons enquanto eu o seguia com o olhar. Assim a tarde transcorreu em clima de festa enquanto eu tirava fotos e distribuia carinho e felicitações a todos, inclusive aos adultos que depois da fila de crianças me procuravam para abraços e fotografias comportando-se como crianças felizes diante do Papai Noel.
Encerrada a festa, troquei de roupa e ao olhar no espelho murmurei: “missão cumprida!” Lembrei-me entretanto do pedido daquele menino e pensei: “Ainda não. Ainda falta falar com o pai do menino.” Ao sair do alojamento tentei localizá-lo e o encontrei. Estava com a mulher e com os filhos. O menino estava com ele mas não me reconheceu sem a roupa de Papai Noel. Chamei o pai do garoto por alguns instantes em um canto mais reservado e enquanto a esposa cuidava dos filhos contei o acontecido para ele. O homem olhou por cima do ombro, viu a mulher e os filhos e voltando o olhar para mim, disse. “O que estou fazendo com a minha família! Tudo por causa deste maldito vício. Pois vou prometer para você amigo que de agora em diante não colocarei nunca mais uma gota sequer de álcool na boca. Obrigado por essa oportunidade de poder corrigir a minha vida e da minha família.” Abraçando o companheiro desejei para ele e sua família um Natal de paz e sáude, afastando-me em seguida.
Depois disto procurei meus familiares a quem por todo o transcorrer da festa não pude dedicar a devida atenção e fomos para a casa. Enquanto dirigia eu olhava para o mar e pensava: Consegui. Pensei que não daria conta de cumprir a minha mais difícil missão como militar, mas consegui.
Servi ainda por mais alguns anos naquela unidade militar e constatei que aquele homem havia realmente modificado seus hábitos deixando a bebida. Restava-me agora as lembranças de tudo para que um dia pudesse recordar e dizer: “Um dia eu fui Papai Noel!”
* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização. Visite meu site: www.ramos.prosaeverso.net .
Concentrado em meus afazeres não percebi a porta se abrindo e quando olhei vi a tenente Zuleide sorrindo para mim. Levantei-me rapidamente e a cumprimentei:
- Bom dia tenente. Em que posso ser útil?
- Com um sorriso no rosto a Oficial respondeu-me:
- Bom dia Papai Noel.
- Como? Não entendi, tenente.
- Continuando a sorrir ela então falou:
- Bem, sargento Ramos, incubiu-me o sr. Comandante de organizar este ano uma festa de confraternização diferente das anteriores. Então apresentei a proposta de realizarmos além do almoço e da tradicional troca de presentes de amigo oculto, uma festa de Natal para os filhos dos nossos militares com direito a uma tarde de diversões, guloseimas e distribuição de presentes que serão entregues pelo Papai Noel.
- Sei. Estou entendendo, tenente. Mas em que poderei ajudar?
- Sargento Ramos, temos na nossa organização cinco militares com o perfil físico do Papai Noel, porém só você tem além do perfil físico o bom humor, a desenvoltura e a capacidade de desempenhar o papel do bom velhinho para nossas crianças. Apresentei a idéia ao sr. Comandante e aos demais Oficiais e todos foram unânimes em escolhê-lo como o Papai Noel do Colégio Naval.
- Mas tenente, eu nunca fiz isso...
- Por favor sargento, diga que aceita esta missão. Aposto que a cumprirá com êxito e fará as nossas crianças felizes na nossa festinha de Natal.
- Tá certo tenente, tentarei fazer o máximo que puder, mesmo porque meus filhos também estarão presentes na festa.
No dia seguinte eu compareci a um alfaiate para tirar as medidas a fim de confeccionar a roupa de Papai Noel. Depois foram adquiridos os demais apetrechos: cinto preto, peruca branca, barba postiça, botas pretas e luvas brancas. Após alguns dias e dois testes para experimentar a indumentária tudo estava pronto e era só aguardar o grande dia. O dia da minha mais incrível missão como militar.
O dia estava lindo! O sol imperava majestoso no céu azul e sem nuvens. O calor prenunciava como seria quente naquela manhã de dezembro. Confesso que estava temeroso de não conseguir levar a missão a cabo. Porém imbuido no dever de cumprir ao que me propuz inspirei fundo e fui em frente.
Após o almoço de confraternização e a troca de presentes no “amigo oculto” finalmente chegou a hora. Munido de uma maleta onde estava guardado todo o material (roupa e apetrechos) do Papai Noel, embarquei em uma lancha com alguns companheiros e nos afastamos um pouco da área do Colégio Naval. Contornamos a ponta da Tapera e fundeamos na Praia do Bonfim e comecei a me vestir com aquela roupa vermelha. Me senti estranho. À medida que me vestia ficava imaginando qual seria a reação das pessoas principalmente das crianças quando me visse daquele jeito. Totalmente arrumado falei ao companheiro que pilotava a lancha que poderia retornar. Quando contornamos de volta a ponta da Tapera começaram os fogos enquanto a banda de fuzileiros tocava músicas natalinas. Confesso que me deu um calafrio apesar de estar suando muito por causa do calor e da roupa e senti vontade de desertar da missão, pular na água e nadar para longe. Enquanto mil pensamentos passavam pela minha cabeça a lancha aproximava-se do cais e percebi que as crianças estavam indóceis à espera do Papai Noel. Quando a lancha aproximou-se do cais resolvi finalmente encarar de vez a missão: na proa da lancha eu acenava para todos com um saco vermelho às costas cheio de bombons de chocolate. Ao desembarcar senti receio do que poderia acontecer pois o pessoal da segurança não conseguiu conter as crianças que invadiram o pier e vieram escoltar o “bom velhinho”. Através de um megafone saudei a todos e falei: “Ho, ho, ho... Feliz Natal.” Minha voz estava embargada por causa da emoção e quase que eu não conseguia falar. Fui praticamente empurrado para o pátio interno pelas crianças que me cercavam e queriam a todo custo tocar em mim. Senti a sensação de gado indo para o abatedouro. Ao olhar um pouco mais afastado vi meus filhos com familiares olhando tudo aquilo sem me reconhecer. Não me contive e as lágrimas que até então estavam contidas cairam copiosamente misturando-se com o suor do meu rosto.
Finalmente no pátio interno sentei em uma cadeira toda especial preparada para o evento e aguardei alguns instantes enquanto a muito custo a tenente Zuleide e mais alguns companheiros organizavam as crianças em fila para poder falar e tirar fotografias com Papai Noel. Eu não poderia mais desistir mesmo que quisesse. Estava cercado por crianças que se fartavam em guloseimas generosamente distribuidas enquanto a banda tocava as musiquinhas de Natal. Ordeiramente as crianças vinham a mim com seus olhinhos espantados e surpresos trazendo-me pedidos de presentes ou simplesmente dando-me um beijo enquanto seus pais tiravam fotos para guardarem de recordação. Enquanto conversavam comigo eu distribuia os bombons de chocolate que trouxera no saco. Os pedidos eram corriqueiros, coisas de crianças. A maioria pedia presentes. Meus filhos chegaram a mim e não me reconheceram. Eu cochichei para eles: sou eu, papai. O mais velho sem reconhecer sequer minha voz disse: eu sei. Você é o Papai Noel, e riu com seus olhinhos brilhando. Eu não discuti. Deixei para contar tudo a eles quando chegasse em casa.
A fila de crianças parecia não ter fim. Alguém aproximou-se de mim com uma garrafinha de água mineral e disse: “É para o sr. não desidratar com esse calor”. Agradeci, levantei um pouco a barba postiça e bebi a água. Um pouco depois uma criança aproximou-se de mim com um olhar distante que logo me chamou a atenção. Diferente das demais que estavam extasiada com a festa aquele menino veio a mim com um mixto de amargura e tristeza. Convidei-o a se aproximar e o abracei e beijei no rosto. Perguntei porque não estava contente e o que gostaria de ganhar de presente de Natal. A resposta da criança deixou-me estarrecido. O menino do olhar triste murmurou para mim que não queria presente, e sim que o seu pai parasse de beber e ao chegar em casa bêbado não brigasse mais com sua mãe nem batesse tanto nele e no seu irmãozinho menor. Naquele momento foi como se a banda tivesse parado de tocar repentinamente e tudo se tivesse se envolvido em um silencio profundo. Fiquei alguns segundos olhando o menino e mais uma vez as lágrimas afloraram meus olhos e despencaram sobre a barba branca. Abracei aquele pequeno ser que me pedia uma coisa que talvez eu não pudesse resolver. Beijei mais uma vez seu rosto, presenteei-o com bombons de chocolate e perguntei o nome do pai dele prometendo conversar com o seu papai depois da festa. Agradecendo-me o garoto afastou-se de mim e foi para um canto do pátio comer seus bombons enquanto eu o seguia com o olhar. Assim a tarde transcorreu em clima de festa enquanto eu tirava fotos e distribuia carinho e felicitações a todos, inclusive aos adultos que depois da fila de crianças me procuravam para abraços e fotografias comportando-se como crianças felizes diante do Papai Noel.
Encerrada a festa, troquei de roupa e ao olhar no espelho murmurei: “missão cumprida!” Lembrei-me entretanto do pedido daquele menino e pensei: “Ainda não. Ainda falta falar com o pai do menino.” Ao sair do alojamento tentei localizá-lo e o encontrei. Estava com a mulher e com os filhos. O menino estava com ele mas não me reconheceu sem a roupa de Papai Noel. Chamei o pai do garoto por alguns instantes em um canto mais reservado e enquanto a esposa cuidava dos filhos contei o acontecido para ele. O homem olhou por cima do ombro, viu a mulher e os filhos e voltando o olhar para mim, disse. “O que estou fazendo com a minha família! Tudo por causa deste maldito vício. Pois vou prometer para você amigo que de agora em diante não colocarei nunca mais uma gota sequer de álcool na boca. Obrigado por essa oportunidade de poder corrigir a minha vida e da minha família.” Abraçando o companheiro desejei para ele e sua família um Natal de paz e sáude, afastando-me em seguida.
Depois disto procurei meus familiares a quem por todo o transcorrer da festa não pude dedicar a devida atenção e fomos para a casa. Enquanto dirigia eu olhava para o mar e pensava: Consegui. Pensei que não daria conta de cumprir a minha mais difícil missão como militar, mas consegui.
Servi ainda por mais alguns anos naquela unidade militar e constatei que aquele homem havia realmente modificado seus hábitos deixando a bebida. Restava-me agora as lembranças de tudo para que um dia pudesse recordar e dizer: “Um dia eu fui Papai Noel!”
* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização. Visite meu site: www.ramos.prosaeverso.net .