Poe mal interpretado
O menino lia a biografia sofrida de Edgar Allan Poe e ficou impressionado.
- Olha, pai, eles sabem tudo sobre o Poe! Começou a citar: era burguês, adotivo, boêmio, rebelde, irritante, matemático. Concluiu que um cara desses duraria pouco tempo no emprego. Instável, sujeito as chuvas e trovoadas.
Acionou uma lâmpada na testa acrescentando uma novidade..
- Era bipolar.
Ouvir é lição permanente que educamos na infância. Era demais. Na condição de pai começou a dissertar: A literatura de Poe é uma espécie de currículo da realidade convertida em pesadelo onírico....
- Por Zeus! Zombou o menino.
...Logo o efeito da realidade, comentada de alguma forma, desesperadamente, fixou-se nele como rejeição instintiva; sobre as perdas iniciais. O elixir da lógica escorre monstruosamente no mundo, quando o veneno natimorto da certeza, exclui a verdade. Tornando-se cruel a má-fé e brutal as ações...
Como pai tinha que dizer alguma coisa. O menino interrompeu outro gole de uísque.
- Fama de bêbado esse tal de Poe também tinha, né?
Foi mudando de conversa para encerrar de vez o assunto, esclarecendo: o avô lutara na Guerra da Independência.
Menino tem dessas coisas. Levaria algum tempo para descobrir que não havia nenhum Poe as margens do riacho Ipiranga.
Após o exercício de conhecimento fracassado sobre Poe, e diante da água mineral, observou o filho dormindo no sofá. A televisão ligada, os contos de horror jogados no chão. Era cedo para que perturbasse aquela alminha com Berenice e o barril de Alcantilado. Há época para certas leituras. Era tempo de ler o sítio.
Suspirou com sinceridade: Havia enrolado tanto engano sobre um gênio extraordinário da literatura universal.