Paga para trair

- Você, Asdrúbal, está me traindo virtualmente!.

No aperto do desemprego o presente desembarcou na caixa grande tendo de ser montado em várias fases. Aceitou, mas sem arcar com os custos. Logo notou que era aparelho complexo, misto de lucro e passatempo, porém presente de luxo.

A cidadezinha pacata apontava as estrelas luzidias com as novas antenas nos telhados. O virtual estava apenas começando. Jamais romperia os conceitos matrimoniais por algo tão fútil. Tudo que interessava era bater-papo, desinteressadamente. Tinha impressão de que havia forças, muito sensuais, convites. Fugia deles. Dos apelos para encontros durante as férias. Das festas embaladas com uísques entupidos de energéticos a mais de duzentos quilômetros dali onde apenas reinava o silêncio.

No fundo amava o seu ser antiquado de sujeito tranqüilo, amigo da casa, do pijama, do jornal e do gamão. Abriu mão do gamão e do jornal para navegar. O píer era o peso da sonolência. Manteve-se afastado do senadinho das vinte e três horas no Clube dos Caixeiros Viajantes por longo tempo, antes do fim. O espanto era a dúvida lançada pela mulher, fria, inabalável, de que havia mais alguém entre eles. Tomada por ciúme múltiplo de máquina. Dos mais exóticos sentidos de rejeição atualizada.

No espelho revisado por si mesmo ele era antiquado, mas sem o clássico. Talvez ganhasse os fumos e louros da rápida modernização. Cumpria explicar o conteúdo dos diálogos íntimos, quando fisgado pelo recadinho no vídeo, acompanhado do som das taças tilintando. A mulher acompanhando de perto a surpresa com olhos de jararaca. Recado instantâneo: “Asdrúbal você é o maioral, paixão! Amélia”. A foto era boca de beijo.

Asdrúbal e a máquina mantinham um caso. Não era verdade.

Tarefa difícil para ambientes pacatos compreender a extensão desse problema. Na maior parte das vezes, ocorre em cidades miúdas, dessas que os homens falam aos homens e as mulheres as mulheres. Homem com mulher ou é namoro ou casamento. Falando sozinho o sujeito está sem juízo. Hoje todos falam na rua e o celular não confere o ar de loucura de antes. Podemos gastar do antigo sigilo das cartas à sensação de liberdade sobre o recalcamento aniquilado. Como se dos envelopes pulassem um tipo instantâneo de correspondência. Agora isso podia se dar através do micro. O difícil era provar o contrário ao ciúme em fogo.

- Trata-se de diálogo sem intencionalidade, mero teatro de tópicos...

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Crônicas da meia-noite