Sul realista
Encontro-me perdido em uma casa. Lugar opaco. Destino distante: não sei de mim. Por onde cruzo os olhos, vejo branco; há trancas por todos os lados. Mas há um pedaço, nobre pedaço, onde o azul, que se reflete em meus olhos, é maior que todo o oceano junto. É uma janela ao sul da casa. Pequena janela que não sonha, desempenha. Ela, quieta, me convida. Abro-a; olho – são muitos olhos. No fim, onde o azul se parte, vejo um pássaro. Não me contento; ponho, pois, os óculos. Vejo dezenas de pássaros. Pergunto-me: Quantos, ainda de óculos, não vejo? Há limites profundos da existência. Esses passam, correm, se escondem; muitas vezes chegam a deslizar pelos dedos, mas fogem. Fogem aos meus olhos, que não vêem um passo à sua frente. Não entendo por que deveras sou assim, todavia vivo. Vivo, e a mim isso basta. Que muito fuja à minha perturbada visão – quantos pássaros cruzam o horizonte do pensamento sem serem detectados pela percepção? Sei, somente, que do pouco que sei, vejo muito. Cá da minha janela, talvez a casa não seja tão opaca, ou o destino esteja entre mãos: talvez. Motivo-me com essa realidade que a posição geográfica me contenta: o sul. Sul da casa desconhecida. Sul realista.