Viagem interior

VIAGEM INTERIOR

Tonha: antoniazilma@hotmail.com

Estava lendo um dos meus diários pessoais e me reportei com algumas lembranças para o tempo em que participava da pastoral da igreja católica e da minha faculdade.

Viajei até aquele grupo de colegas que, as terças-feiras e aos domingos, o compromisso era com a catequese. Ainda lembro com carinho das liturgias, das campanhas que fazíamos pela comunidade carente, dos projetos que conquistamos (dos que ficaram no meio do caminho, também...), das visitas às casas das crianças que ainda não estudavam – muito menos haviam feito o catecismo –, da alegria estampada no rosto de cada menino (a) ao participar das atividades cênicas da escola e da igreja.

Chego a ficar emocionada com o percurso desta viagem. Posso dizer que foi um tempo bem aproveitado – ter sido parte integrante de sonhos realizados por aquelas crianças...

Gostava tanto quando chegava o dia de ter contato com elas e, gostava muito mais quando, muitas delas corriam e me abraçavam...

Nunca me esqueci do dia em que uma delas chegou pra mim e falou:

“-Tia Zilma, eu quero aprender a ler, você me ensina? Prometi a minha mãe que quando eu crescer quero ser advogada para tirar meu pai da cadeia”.

Respondi para ela que ensinaria sim; seria uma alegria muito grande vê-la lendo. Na época eu fiquei um pouco triste com a história desta menina, porque meses depois seu pai foi morto na cadeia e eu acompanhei seu sofrimento de perto. Mesmo assim, ela não desistiu do seu sonho de se formar advogada: se esforçou, aprendeu a ler fluentemente e nunca foi reprovada. Atualmente, está cursando o 3° período da Faculdade de Direto, o que me deixa muito feliz em saber.

Das muitas coisas que guardo em minha memória, jamais me esqueci de um curso que me ajudou bastante no trabalho com brincadeiras lúdicas em sala de aula, onde as crianças desenvolviam habilidades de leitura e escrita brincando com as palavras, brincando de aprender.

Lembro, carinhosamente, do dia em que, vestida de palhaço, contava histórias engraçadas e a meninada quase não parava de rir de tanta felicidade. Elas contavam histórias interessantes, passeavam na sala para descobrir em que pirulito estava gravado os nomes delas, estouravam bolas de encher, descobrindo os sinônimos...

Ah tempo bom, apesar dos pesares! Como em quase toda sala de aula que se preza, nessa que vou descrever tinha um garoto de nove anos que não se entusiasmava com as tarefas. Costumava causar transtornos na classe. Então um dia eu falei com seus pais, mas não adiantou, pois ele continuou a bater nos colegas, a não participava das atividades, e já não tinha limites.

Perguntei para ele:

“-O que você mais gosta de fazer?”

Ele olhou pra mim meio de lado, e respondeu:

“-Para que você quer saber? Não sei direito não”.

Então, continuei:

“- Toda pessoa tem preferência por alguma coisa: jogar bola, dançar, cantar, brincar de montar quebra-cabeça, desenhar, pintar, ler revista, assistir filme... Diga para mim do que você gosta”.

Ele logo me respondeu:

“- Num gosto de nada disso! Eu só gosto de correr!”

Finalmente, ao fazer esta descoberta, pedi que minha turma sentasse para assistir a um espetáculo no pátio da escola: A corrida deste garoto!

Ao dar várias voltas correndo ele ficou cansado, porém satisfeito e feliz. O problema é que, ao entrar na classe, sentou-se, baixou a cabeça e dormiu durante toda a aula. Foi um dia de muito aprendizado, uma experiência para uma pedagoga, inesquecível. Valeu à pena.

Acho que durante este trajeto, quem mais aprendeu, quem mais ganhou, fui eu mesma. Dentre estas, e muitas outras experiências que vivi, profissionalmente, uma coisa é certa: tudo se tornou muito importante para mim, porque sempre gostei do que me propus a fazer. Principalmente, quando leio as declarações de amor produzidas pelos alunos os quais ajudei no processo de construção do conhecimento.

Por fim, sou muito grata a Deus, pelas coisas boas que já vivi, pelas experiências (algumas esplendorosas, outras desafiadoras) que me serviram para o crescimento pessoal e profissional, porque não preciso de coisas grandiosas para me sentir bem, para ser feliz.

Antonia Zilma
Enviado por Antonia Zilma em 12/12/2008
Reeditado em 14/09/2022
Código do texto: T1332159
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