O Nariz de Darwin
Sabem como era o nariz de Darwin? Feio. Muito feio. Para seu azar viveu numa
Época em que estava em voga a Frenologia, uma pseudo ciência, que fazia crer que o carácter de uma pessoa se relacionava com o formato do crânio e do nariz.
O comandante FitzRoy quando viu o jovem Charles achou o formato daquele nariz muito desagradável. Pensou em recusar-se aceita-lo a bordo. Mas a pedido de várias famílias resolveu passar algumas horas com ele para que pudesse reformular a sua primeira má impressão. Ficou de tal forma impressionado com as boas maneiras do candidato a naturalista que lhe deu o benefício da dúvida. Apesar do seu nariz suspeito Darwin embarcou no Beagle.
Mas esta história não começa aqui. De facto começa com o seu avô, Erasmus. Célebre escritor, físico, inventor, médico e poeta, o avô de Darwin tinha ideias políticas radicalmente progressistas a ponto de apoiar a revolução americana, sendo Britânico.
Erasmus tinha ideias originais, muito à frente do seu tempo. Vinte anos antes de Jean-Baptiste Lamark ficar famoso pelas suas ideias já ele as tinhas escrito na sua Zoonomia.
Lamark defendia o conceito de que as espécies se iam transformando lentamente umas nas outras. Mas pensava que os organismos podiam herdar as características adquiridas pelos seus antepassados. Trata-se da velha história das girafas que vão esticando o pescoço para alcançar as folhas mais altas e vão gerando girafas com pescoços cada vez mais longos.
Erasmus já tinha chegado a estas especulações mas para desapontamento do seu neto não tinha a mínima pachorra (e se calhar nem tempo) para o entediante trabalho que a ciência exige para que as teorias sejam rigorosamente investigadas. Preferia a poesia e, pasmem, escrevia sobre sexo! O refrão da sua última obra rezava assim: E vivam AS DIVINDADES DO AMOR SEXUAL. Em maiúsculas! Era assim o avozinho de Darwin.
Já o pai de Charles foi um simples médico respeitável que acalentava o sonho de que os filhos lhe seguissem as pisadas profissionais.
Ao contrário do seu irmão mais velho, Erasmus segundo, o pequenote Charles ficou traumatizado após assistir a uma cirurgia, numa época anterior à descoberta do clorofórmio. O pai conformou-se com o facto do seu estômago ser sensível demais para aquelas carnificinas. “ E que tal seres ministro anglicano?”
“ Ser coleccionador de besouros não serve, papá?”
“Não meu filho. Apanhas besouros nos tempos livres.”
“Sim paizinho. E porque tenho eu um nariz tão grande?”
Durante os seus estudos, Charles foi aluno do reverendo John Steven Henshow. Este era tão bom professor de Botânica que os alunos voltavam a assisitir às suas aulas mesmo após concluírem a cadeira.
O jovem Darwin ficou tão fascinado que passava a maior tempo junto do professor. Nesse tempo era conhecido como “ o sujeito que passeia com Henshow”.
Foi este reverendo, profundamente religioso, que lhe falou na viagem do Beagle. O capitão FitzRoy estava à procura de um jovem naturalista para ir, sem remuneração, à Terra do Fogo e regressar pelas Índias Orientais.
Primeiro foi preciso convencer o pai.
Por fim restava o problema do desagradável nariz.
Esta seria a segunda viajem do Beagle. A primeira fora uma missão de reconhecimento à América do Sul e foi de tal maneira traumatizante por causa do mau tempo que o seu comandante se suicidara antes do seu término.
O capitão FitzRoy estava determinado a não ter a mesma sorte que o seu antecessor. Aprendeu tanto sobre o tempo que se tornou num dos fundadores da meteorologia moderna.
Na véspera da partida Charles Darwin sofreu o seu primeiro episódio de ansiedade com palpitações cardíacas. Estes sintomas e os acessos de fadiga e depressão prolongaram-se por toda a sua longa vida sem nunca serem convenientemente explicados.
Ao longo dos dois anos da viajem foram muitas as discussões com o comandante que era um homem de ideias conservadoras e racistas. Quando Charles ousou opor-se-lhe por este defender a escravatura na Baia, do Brasil, esteve quase para ser posto borda fora.
FitzRoy estava furioso. Nunca tinha gostado daquele nariz!
Durante a jornada Darwin foi escrevendo “ the Voyage of the Beagle”. Nele reuniu dados que substanciavam a evolução das espécies através da selecção natural.
De regresso a casa, casou com uma prima. E apesar daquele singular nariz teve um casamento verdadeiramente harmonioso e feliz que durou mais de quatro décadas, abençoado com dez filhos que sempre admiraram o bom carácter do seu pai.
Darwin escreveu uma obra em duas partes com extenso título, sobre a evolução das espécies. Mas durante duas décadas hesitou em publica-la.
Até que lhe chegou ás mãos um artigo publicado numa revista científica por um tal de Alfred Russel Wallace que defendia as mesmas ideias.
Wallace era um topógrafo que se tornara naturalista e viajara até à Amazónia e à Península Malaia recolhendo espécimes.
O respeito, a admiração e a forma exemplar como estes dois homens que poderiam ter sido rivais, se trataram, são exemplo para todos os investigadores. Nunca Darwin se referiu à teoria da evolução das espécies sem mencionar Wallace e vice-versa. Cada um atribuía sempre o crédito ao outro da sua descoberta.
Em 1859 Charles Darwin publicou a “origem das Espécies” que se esgotou imediatamente nas livrarias. No livro existe uma única referência aos seres humanos: “ Far-se-á luz sobre a origem do Homem e da sua história”
A sua contenção não adiantou grande coisa. O livro era uma bomba!!!!! Não havia conciliação possível entre “ Origem das Espécies” e uma interpretação à letra do Génesis.
Basicamente o que dizem os dois senhores é que através da selecção natural alguns indivíduos conseguem transmitir a sua hereditariedade à geração seguinte. As espécies mais adaptadas ao seu ambiente sobrevivem. As menos adaptadas extinguem-se. E tudo isto se passa imperceptivelmente ao longo de milhões de anos. Trata-se de um processo conhecido que adapta os organismos aos seus ambientes. As espécies modificam-se e vão evoluindo lentamente.
Darwin estudou exaustivamente a selecção artificial mas não conhecia um único exemplo de selecção natural na natureza. Actualmente conhecem-se centenas de casos. No entanto a maior prova para a evolução provém de uma ciência que nem sequer existia no tempo deste senhor: A biologia molecular.
Hesitei em escrever esta crónica por considerar este tema uma verdade universalmente aceite por qualquer cientista honesto, ou por qualquer leigo bem informado. Claro que conheço a existência dos charlatães e dos loucos que em alguns estados dos USA aboliram o estudo da evolução e pregam o Criacionismo. E sabe-se lá bem onde isto acontece em partes remotas do mundo.
Mas estamos na Europa e ainda me lembro de ter estudado aprofundadamente a Teoria de Darwin-Wallace no ensino secundário.
E é então que recebo uma SMS de uma pessoa espantosamente inteligente que me diz: “ Darwin? Mas ele era um parvito pois achava que a competição entre as espécies era mais importante que a cooperação. A sobrevivência das espécies depende muito da interdependência”
Vou rebater o absurdo da frase com um exemplo moderno muito conhecido.
A malária é uma doença causada por um protozoário que se introduz no sangue através da picada de uma espécie de mosquito. Os parasitas entram nos glóbulos vermelhos destruindo-os. É uma doença altamente mortal.
Existem povos em zonas afectadas da África tropical que têm uma adaptação à malária: glóbulos falciformes. São derivados de uma mutação. Não são glóbulos normais, são menos eficientes provocam na pessoa uma ANEMIA FALCIFORME. Mas a vantagem é que o protozoário não consegue penetra-los nem destrui-los. Logo a pessoa não contrai MALÁRIA. Em muitas regiões começaram a sobreviver muitas pessoas com este tipo de anemia. O que é que isto tem a ver com a competição e a cooperação entre espécies? NADA!
Porque não existe competição alguma entre estas pessoas nem maneira delas se ajudarem pois enquanto isto foi acontecendo não foi perceptível. Só à posteriori foi descoberto.
Era fácil, não?” Ó Mané empresta-me aí meia dúzia de eritrócitos falciformes que os bichos estão-me a comer o sangue todo, pá! “ “Toma lá Zé. Mas quero namorar a tua irmã!”
A natureza não actua assim.
Obviamente que relações de cooperação existem na natureza desde os primórdios da origem da vida. E sempre que a cooperação é vantajosa a selecção natural faz com que se mantenha. Aliás podemos dizer que existe cooperação porque existe selecção natural. Desde os tempos em que as células incorporaram os cloroplastos fotossintéticos originado os precursores das plantas e outras células incorporaram as mitocôndrias originando os precursores dos animais, que a selecção natural favoreceu a COOPERAÇÃO. E ninguém melhor que Darwin percebeu a cooperação como vantagem que a selecção beneficia.
Outra coisa: Darwin não tinha opiniões nem crenças. Apesar de religioso, era um cientista a sério. Não pediu para descobrir as evidências com que se deparou. E quando lhe perguntaram furiosos se ele era macaco por parte do avô ou da avó, ele respondeu: “ prefiro ser descendente de dois símios a ser um homem que tem medo de enfrentar a verdade”
Parvito, Darwin? GRANDE HOMEM diria eu. O nariz é que deixava um pouco a desejar...
Sabem como era o nariz de Darwin? Feio. Muito feio. Para seu azar viveu numa
Época em que estava em voga a Frenologia, uma pseudo ciência, que fazia crer que o carácter de uma pessoa se relacionava com o formato do crânio e do nariz.
O comandante FitzRoy quando viu o jovem Charles achou o formato daquele nariz muito desagradável. Pensou em recusar-se aceita-lo a bordo. Mas a pedido de várias famílias resolveu passar algumas horas com ele para que pudesse reformular a sua primeira má impressão. Ficou de tal forma impressionado com as boas maneiras do candidato a naturalista que lhe deu o benefício da dúvida. Apesar do seu nariz suspeito Darwin embarcou no Beagle.
Mas esta história não começa aqui. De facto começa com o seu avô, Erasmus. Célebre escritor, físico, inventor, médico e poeta, o avô de Darwin tinha ideias políticas radicalmente progressistas a ponto de apoiar a revolução americana, sendo Britânico.
Erasmus tinha ideias originais, muito à frente do seu tempo. Vinte anos antes de Jean-Baptiste Lamark ficar famoso pelas suas ideias já ele as tinhas escrito na sua Zoonomia.
Lamark defendia o conceito de que as espécies se iam transformando lentamente umas nas outras. Mas pensava que os organismos podiam herdar as características adquiridas pelos seus antepassados. Trata-se da velha história das girafas que vão esticando o pescoço para alcançar as folhas mais altas e vão gerando girafas com pescoços cada vez mais longos.
Erasmus já tinha chegado a estas especulações mas para desapontamento do seu neto não tinha a mínima pachorra (e se calhar nem tempo) para o entediante trabalho que a ciência exige para que as teorias sejam rigorosamente investigadas. Preferia a poesia e, pasmem, escrevia sobre sexo! O refrão da sua última obra rezava assim: E vivam AS DIVINDADES DO AMOR SEXUAL. Em maiúsculas! Era assim o avozinho de Darwin.
Já o pai de Charles foi um simples médico respeitável que acalentava o sonho de que os filhos lhe seguissem as pisadas profissionais.
Ao contrário do seu irmão mais velho, Erasmus segundo, o pequenote Charles ficou traumatizado após assistir a uma cirurgia, numa época anterior à descoberta do clorofórmio. O pai conformou-se com o facto do seu estômago ser sensível demais para aquelas carnificinas. “ E que tal seres ministro anglicano?”
“ Ser coleccionador de besouros não serve, papá?”
“Não meu filho. Apanhas besouros nos tempos livres.”
“Sim paizinho. E porque tenho eu um nariz tão grande?”
Durante os seus estudos, Charles foi aluno do reverendo John Steven Henshow. Este era tão bom professor de Botânica que os alunos voltavam a assisitir às suas aulas mesmo após concluírem a cadeira.
O jovem Darwin ficou tão fascinado que passava a maior tempo junto do professor. Nesse tempo era conhecido como “ o sujeito que passeia com Henshow”.
Foi este reverendo, profundamente religioso, que lhe falou na viagem do Beagle. O capitão FitzRoy estava à procura de um jovem naturalista para ir, sem remuneração, à Terra do Fogo e regressar pelas Índias Orientais.
Primeiro foi preciso convencer o pai.
Por fim restava o problema do desagradável nariz.
Esta seria a segunda viajem do Beagle. A primeira fora uma missão de reconhecimento à América do Sul e foi de tal maneira traumatizante por causa do mau tempo que o seu comandante se suicidara antes do seu término.
O capitão FitzRoy estava determinado a não ter a mesma sorte que o seu antecessor. Aprendeu tanto sobre o tempo que se tornou num dos fundadores da meteorologia moderna.
Na véspera da partida Charles Darwin sofreu o seu primeiro episódio de ansiedade com palpitações cardíacas. Estes sintomas e os acessos de fadiga e depressão prolongaram-se por toda a sua longa vida sem nunca serem convenientemente explicados.
Ao longo dos dois anos da viajem foram muitas as discussões com o comandante que era um homem de ideias conservadoras e racistas. Quando Charles ousou opor-se-lhe por este defender a escravatura na Baia, do Brasil, esteve quase para ser posto borda fora.
FitzRoy estava furioso. Nunca tinha gostado daquele nariz!
Durante a jornada Darwin foi escrevendo “ the Voyage of the Beagle”. Nele reuniu dados que substanciavam a evolução das espécies através da selecção natural.
De regresso a casa, casou com uma prima. E apesar daquele singular nariz teve um casamento verdadeiramente harmonioso e feliz que durou mais de quatro décadas, abençoado com dez filhos que sempre admiraram o bom carácter do seu pai.
Darwin escreveu uma obra em duas partes com extenso título, sobre a evolução das espécies. Mas durante duas décadas hesitou em publica-la.
Até que lhe chegou ás mãos um artigo publicado numa revista científica por um tal de Alfred Russel Wallace que defendia as mesmas ideias.
Wallace era um topógrafo que se tornara naturalista e viajara até à Amazónia e à Península Malaia recolhendo espécimes.
O respeito, a admiração e a forma exemplar como estes dois homens que poderiam ter sido rivais, se trataram, são exemplo para todos os investigadores. Nunca Darwin se referiu à teoria da evolução das espécies sem mencionar Wallace e vice-versa. Cada um atribuía sempre o crédito ao outro da sua descoberta.
Em 1859 Charles Darwin publicou a “origem das Espécies” que se esgotou imediatamente nas livrarias. No livro existe uma única referência aos seres humanos: “ Far-se-á luz sobre a origem do Homem e da sua história”
A sua contenção não adiantou grande coisa. O livro era uma bomba!!!!! Não havia conciliação possível entre “ Origem das Espécies” e uma interpretação à letra do Génesis.
Basicamente o que dizem os dois senhores é que através da selecção natural alguns indivíduos conseguem transmitir a sua hereditariedade à geração seguinte. As espécies mais adaptadas ao seu ambiente sobrevivem. As menos adaptadas extinguem-se. E tudo isto se passa imperceptivelmente ao longo de milhões de anos. Trata-se de um processo conhecido que adapta os organismos aos seus ambientes. As espécies modificam-se e vão evoluindo lentamente.
Darwin estudou exaustivamente a selecção artificial mas não conhecia um único exemplo de selecção natural na natureza. Actualmente conhecem-se centenas de casos. No entanto a maior prova para a evolução provém de uma ciência que nem sequer existia no tempo deste senhor: A biologia molecular.
Hesitei em escrever esta crónica por considerar este tema uma verdade universalmente aceite por qualquer cientista honesto, ou por qualquer leigo bem informado. Claro que conheço a existência dos charlatães e dos loucos que em alguns estados dos USA aboliram o estudo da evolução e pregam o Criacionismo. E sabe-se lá bem onde isto acontece em partes remotas do mundo.
Mas estamos na Europa e ainda me lembro de ter estudado aprofundadamente a Teoria de Darwin-Wallace no ensino secundário.
E é então que recebo uma SMS de uma pessoa espantosamente inteligente que me diz: “ Darwin? Mas ele era um parvito pois achava que a competição entre as espécies era mais importante que a cooperação. A sobrevivência das espécies depende muito da interdependência”
Vou rebater o absurdo da frase com um exemplo moderno muito conhecido.
A malária é uma doença causada por um protozoário que se introduz no sangue através da picada de uma espécie de mosquito. Os parasitas entram nos glóbulos vermelhos destruindo-os. É uma doença altamente mortal.
Existem povos em zonas afectadas da África tropical que têm uma adaptação à malária: glóbulos falciformes. São derivados de uma mutação. Não são glóbulos normais, são menos eficientes provocam na pessoa uma ANEMIA FALCIFORME. Mas a vantagem é que o protozoário não consegue penetra-los nem destrui-los. Logo a pessoa não contrai MALÁRIA. Em muitas regiões começaram a sobreviver muitas pessoas com este tipo de anemia. O que é que isto tem a ver com a competição e a cooperação entre espécies? NADA!
Porque não existe competição alguma entre estas pessoas nem maneira delas se ajudarem pois enquanto isto foi acontecendo não foi perceptível. Só à posteriori foi descoberto.
Era fácil, não?” Ó Mané empresta-me aí meia dúzia de eritrócitos falciformes que os bichos estão-me a comer o sangue todo, pá! “ “Toma lá Zé. Mas quero namorar a tua irmã!”
A natureza não actua assim.
Obviamente que relações de cooperação existem na natureza desde os primórdios da origem da vida. E sempre que a cooperação é vantajosa a selecção natural faz com que se mantenha. Aliás podemos dizer que existe cooperação porque existe selecção natural. Desde os tempos em que as células incorporaram os cloroplastos fotossintéticos originado os precursores das plantas e outras células incorporaram as mitocôndrias originando os precursores dos animais, que a selecção natural favoreceu a COOPERAÇÃO. E ninguém melhor que Darwin percebeu a cooperação como vantagem que a selecção beneficia.
Outra coisa: Darwin não tinha opiniões nem crenças. Apesar de religioso, era um cientista a sério. Não pediu para descobrir as evidências com que se deparou. E quando lhe perguntaram furiosos se ele era macaco por parte do avô ou da avó, ele respondeu: “ prefiro ser descendente de dois símios a ser um homem que tem medo de enfrentar a verdade”
Parvito, Darwin? GRANDE HOMEM diria eu. O nariz é que deixava um pouco a desejar...