TELEVISÃO: Capitu
Teria perdido eu a veia irônica e romântica ou passo apenas por uma má fase literária?
As musas procuraram outros ouvidos menos moucos.
Urge que se mude o comportamento e que se entregue a alguns devaneios loucos.
Não bebo e nem sou boêmio.
Acordo cedo e, graças à fiscalização sanitária, fruto da urbanidade, nenhum galo vem me saldar.
A quantos quilômetros da minha casa se encontra o primeiro galo livre?
Deverei queimar dezenas de metros de asfalto, ou serão centenas, antes de sentir o cheiro da natureza vencer o do óleo diesel?
E perguntaram o que é Brás Cubas? Não se sabe até hoje e nunca se saberá.
Espantei-me quando a Globo disse que exibiriam Capitu. Certamente, foram felizes ao mudar o título. A jovem bela dos olhos de cigana, oblíquos e dissimulados, é muito mais encantadora que o insosso Bentinho, que virou Casmurro, Dom Casmurro, corrija-se de passagem e nunca um título foi tão justo.
Tive medo da versão platinada.
Tanto alteram que temi que o Mestre Machado gemesse e urrasse de sua tumba vendo um filho tornar-se maldito caricato.
Minhas jovens filhas adolescentes, atraídas pela bela dos olhos verdes, apaixonaram-se pela obra.
E quem diria, hein Machado?
Computadores, Internet, túnel de partículas que recriam o Universo, e ainda temos tempo para reviver Capitu.
O efeito é encantador.
O clima teatral, de sonho, lúdico, cores fortes, transmitiram um deslumbramento digno da obra literária. E a fidelidade aos capítulos, mesmo com termos não usuais aos jovens, foi outro acerto. Perdoa-se até um táxi em fundo de cena. Por vezes achei que estava em um teatro no meio da rua testemunhando a atitude nobre de heróis mambembes.
Ao ler Dom Casmurro na tela, sinto-me transportado ao livro que carrego em cabeceira e me emociono a cada frase.
O Bentinho que mostram corresponde à idéia que sempre fiz: Bentinho, o que é isso, Bentinho?
E o que dizer do perigoso José Dias, uma sombra faceira, hoje definido como alpinista social, um sanguessuga que se apoderou da confiança da família e que não define posição, afinal, quem pode culpá-lo por querer apenas garantir as fartas refeições?
Não vou falar do Escobar. Em verdade vou, no salto de algumas linhas.
Gira o grande debate da obra ao redor de Capitu e uma traição, que seja talvez sim, talvez não.
No entanto, o que teria acontecido entre Escobar e Bentinho nas celas do Seminário? Melhor não imaginar e deixar passar.
Se, no futebol, o impedimento ou aquele gol que foi ou não foi, despertam a polêmica e dão sal ao assunto, o que dizer de Capitu?
E então, linda morena, foi ou não foi?
Quem perdeu, perdeu. Leia o livro, compre o vídeo e se apaixone por Capitu. Bentinho, o que é isso, Bentinho?