O Sexo da Alma

O Sexo da Alma

suzabarbi@hotmail.com

Linda, Regininha.

Quando sorri, coisa que faz toda hora, não tem quem não se apaixone.

Homens e mulheres.

Não importa o sexo.

Quando perguntada, dá uma gostosa gargalhada, joga o longo cabelo dourado para trás e responde:

- Eu gosto é da alma. Quando levo a alma para a cama é que vou saber que sexo ela tem.

Grande, Regininha!

Pena que não dá muita sorte com as almas...

Diegão era um velho amigo que Regininha encontrou depois de muitos anos.

Ele, homem grande de natureza, voz grossa, desajeitadão, tinha engordado uns bons quilos e estava e-nor-me.

Assustou!

Mas Regininha gostava daquela alma.

Sempre fora gentil, apesar de o tamanho aparentar outra coisa.

Encarou.

Na primeira semana juntos, os problemas de Regininha começaram.

Deitados no sofá, assistindo televisão, ela, meiga que só, sugeriu uma sopa.

De um salto, Diegão se ofereceu para fazer a bendita.

Regininha aceitou o dengo de pronto.

Continuou no sofá e deixou aquela alma boa (e grande) ir pra cozinha.

Não demorou muito Diegão voltou e perguntou:

- Quantos litros?

- Litros de quê?

- De sopa a gente faz?

Regininha pulou.

O sacolão, que ela havia feito para a semana inteira, tinha ido embora em um panelão de três litros de sopa!

E como se não bastasse, ele, depois do quarto prato fundo, perguntou:

- Posso matá?

Sobrou apenas a panela vazia pra Regininha lavar.

Na segunda semana, a geladeira era um tremendo vazio.

E ele ainda reclamava que a casa estava indo de mal a pior e que ela tinha que se cuidar para não adoecer comendo tão pouco.

Foi demais para ela.

Regininha viu que não podia mais com alma tão gulosa.

E a mandou ir comer em outra freguesia.

Não demorou muito a conhecer Carlinhos.

Nada como um “inho” (ainda mais no plural) após um “ão”.

Regininha gostou daquela alma comedida, nada falante e, melhor, nada esganada!

Os amigos insistiam ser ele homem cheio de manias.

Mas Regininha gostou quando ele a convidou para passarem o Ano Novo na praia.

Seria um programa diferente e bem romântico: ao invés de hotel, acampamento.

Moça urbana, Regininha nunca tinha acampado e não sabia se teria uma relação amigável com o campo.

Ainda mais dentro de uma barraca!

Resolveu deixar de lado essas bobagens e partiu para a praia com uma barraca no porta-malas e muito repelente na necessaire.

Aos primeiros quinze minutos de viagem, ela já estava a par de onde e quantas vezes parariam ao longo do trajeto.

Mas achou um pouco demais quando Carlinhos acrescentou o quê iriam comer em cada parada.

Locais e cardápio definidos, ela começou a pensar se ainda tinha tempo para voltar atrás.

Não tinha.

Para desanuviar a tensão, pediu que ele colocasse uma música.

Pedido negado.

Som distraía.

Não tinha hábito de ouvir música dirigindo.

O jeito foi seguir a risca o comando para não estragar o quê ainda estava começando.

Quando finalmente chegaram ao camping, Carlinhos foi retirando toda a parafernália do porta-malas e, na falta de uma cerveja, Regininha foi correndo atrás de uma garrafa de água.

O lugar parecia o inferno de tão quente.

Quando voltou, lá estava ele com uma vassoura nas mãos varrendo a grama onde iria montar a barraca!

Foi demais para ela.

Regininha pegou suas coisas e um táxi.

Correu para o primeiro hotel que o motorista recomendou.

Entre um banho de hidromassagem e uma cerveja gelada, marcou sua passagem de volta.

Tinha errado de alma de novo!

Quando já estava cansada de tanta alma penada, Regininha conheceu Jocrésia.

Nordestina.

Alma arretada de boa.

A junção dos nomes do pai e da mãe deu a ela o nome tão esdrúxulo, mas nada que um reduzido Jô não pudesse resolver.

Jocrésia ia fazer 50 anos, o que rendeu à Regininha motivos de sobra para organizar uma super festa para ela.

Depois da festa, juntas e felizes, resolveram comprar um sítio.

No pacote, três vaquinhas leiteiras – Perdida, Sem Vergonha, Comigo Ninguém Pode.

Nomes estranhos para vaquinhas tão sossegadas...

Foi quando Jocrésia começou a sentir comichões toda vez que via alguma coisa suja ou fora do lugar.

Aproveitou o final de semana para sair limpando tudo que encontrou pela frente.

Não foi difícil chegar ao curral.

Depois de uma manhã com a enceradeira na mão, Perdida, Sem Vergonha e Comigo Ninguém Pode não conseguiam ficar em pé nas quatro patas.

Jocrésia tinha encerado o curral!

Era a menopausa invadindo a vida de Jô, fazendo-a ter comportamentos pra lá de esquisitos.

Passou a tomar remédio e quando se sentiu melhor, convidou Regininha para um coquetel.

Jocrésia sentia-se tão bem que resolveu tomar um drink, apesar de nunca beber.

Acordou no dia seguinte sem roupa.

Procurou pelo pijama e foi encontrá-lo dentro da casa do cachorro!

Tremeu.

Cachorro também tinha alma???

Regininha apiedou-se dela e a convenceu a fazerem uma viagem.

Iriam para as Serras Gaúchas!

Muito frio, lareira e chocolate quente.

Dias antes de embarcarem, Jocrésia estava inquieta.

Regininha tentava entender o motivo de tanta angústia, mas Jocrésia desconversava.

No dia da viagem, Jô estava com os nervos em frangalhos.

Regininha queria entender alma tão assustada.

Foi saber quando, dentro do avião, a aeromoça deu as instruções de vôo:

- E nossa aeronave possui dois banheiros exclusivos...

Nem acabou a frase e uma Jô histérica, agarrada ao braço de uma Regininha incrédula, gritou:

- Tem explosivo no banheiro!

E desmaiou.

A alma não conseguia voar...