AINDA BEM QUE TUDO NÃO PASSOU DE UM SONHO
Sonhei que era Teseu e que matei um minotauro para conseguir escapar do labirinto em que me encontrava e assim me sentir livre, livre para voar. Tentei, mas as minhas asas de penas juntas com cera, iguais as do vaidoso Ícaro, derreteram pelo calor do sol e me fizeram cair sobre as águas revoltas do mar. No meu sonho não foi possível visualizar quem me retirou das águas. Só sei, que logo me vi num caminho vazio e sem fim e quanto mais andava a lugar nenhum chegava; as horas não passavam, os relógios não tinham ponteiros; os dias da semana resumia-se num só dia, sempre sexta-feira, triste como a da paixão. Sentia que fugia de mim a razão de viver, não havia alegria renovada para a minha alma. De repente me vi juntando pedaços de mim... E não sabia se viva ou morta estava. E me senti “Solitária na companhia de meu próprio cadáver”... Não, morta não estava, ouvi um cachorro latir e tinha a impressão que tinha perfeita noção do que acontecia ao meu redor. Mas aquele caixão... Eu dentro dele... Aquelas flores murchas... Aqueles ratos... Aquela escuridão... Aquela falta de ar... Aquele cheiro... E os meus óculos? Cadê os meus óculos? Não, não estava viva, estava sem óculos, estava morta. A idéia foi tomando conta de mim e confesso que já estava me acostumando com a minha morte, embora alguma coisa negasse isto. Foi quando o pavor começou a tomar conta de mim... E se me enterrassem viva? Tentei movimentar os meus membros e não consegui, também não consegui expressar-me e quando estava resignada a morrer por resignação, acordei. Sobre mim, aberto na página 21, Olhos de Cão Azul - “A terceira Renúncia – de Gabriel García Márquez. Ai, dei um sorriso amarelo, limpei o suor que escorria pelo meu rosto, levantei, bebi água, me certifiquei que estava viva de verdade e voltei pra cama. Afinal, estava explicado o sonho.