O GUARDA-CHUVA DO MONSENHOR ROBERTO LOPES
Em meados dos anos setenta, eu com onze ou doze anos. Depois da aula, no ginário Clóvis Salgado, eu e meus amigos, sem ter muito o que fazer, giramundávamos pelas ruas da cidade. Catávamos oiti, jogávamos pedras nas mangueiras e nos pés de almendra. Quando sobrava uma grana, passávamos na "Merenda do Índio", a melhor lanchonete do mercado, pra tomar o apetitoso caldo de cana com pastel.
Meus amigos eram o Ispím (Siárxeres), Paxarim (Ricardo), Pipirinha (Cláudio) e Juquinha (Chico Zé). Ainda tinha o Robledo, que liderava o grupo. Saíamos dos Tucuns e doidávamos a perambular sem rumo, só pelo prazer de perambular. Coisa de menino!
Numa dessas andanças, não era difícil encontrar com um velhinho, cabelos ralos, alvíssimos, que se trajava de batina preta. Nessa ápoca já devia ter mais de oitenta. Sempre acompanhado de seu "perigoso" guarda-chuva, era o terror dos menos avisados, pois o encontro sempre rendia uma bela guardachuvada na cabeça: tem juízo, menino!, dizia. Talvez, fosse a melhor maneira que encontrou para interagir. E, de fato, interagia, pois não tinha como passar por ele e não sentir um cóque na cabeça. Hoje, adultos, sabemos que o gesto era puro carinho; à época, cabeças ao vento, não alcançávamos a atitude; o encontro com aquele velhinho e “aquele” guarda-chuva causava em nós, os desavisados, um certo pavor, nada tão traumático assim.
O bom padre trazia consigo um sorriso que remetia a uma ironia ou, quem sabe, o desejo de desvendar o que havia na cabeça daqueles meninos: será que estudam?; talvez comparasse a sua vida de menino com as nossas... Quem sabe?
Tempos depois descobrimos que a escola na qual cursamos o prímário, e que funcionava no mesmo logradouro do Ginário, recebia o nome de "Unidade Escolar Monsenhor Roberto Lopes", em homenagem ao seu fundador, ele mesmo o padre do guarda-chuva.
O tempo passa e é uma pena não podermos desfrutar daquela maviosa companhia; um homem que fez história na cidade!
Ele chegou em Parnaíba a 08 de março de 1916, já como padre recém ordenado, vindo de Oeiras. Faleceu em 15 de outubro de 1980. Viveu oitenta e nove anos. Desses, em trabalho pastoral, social e cultural profícuo, passou quase sessenta e cinco anos na cidade.
Durante esse tempo foi vigário da matriz de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, por quase cinqüenta anos. Construiu as Igrejas de São Sebastião e de São José. Fundou o Círculo Operário de Parnaíba, obra de cunho social-educativo, entidade mantenedora da escola de ensino fundamental que leva o seu nome e do ginásio Clóvis Salgado.
Igualmente fundou o antigo Ginásio Parnaibano, o Colégio Estadual Lima Rebelo. Atuou como jornalista, fundando os jornais “O Sino” e “A Ação”, além de colaborar com outros jornais da cidade, como “A Tribuna”, “Folha do Litoral”, “Norte do Piauí”, dentre outros que circularam na cidade.
Na velhice vivia na companhia de parentes na Avenida Governador Chagas Rodrigues, sua última residência. A sua morte comoveu toda a cidade. Não presenciei de todo o alvoroço, mas alguma coisa se comentou lá em casa. Não prestei muita atenção, mas uma coisa ouvi de meu pai: “- Esse padre trabalhou muito por Parnaíba! Foi ele quem construiu a escola em que Roberto estuda”. Disso eu me lembro!
Está sepultado na própria igreja que fundou, hoje, paróquia de São Sebastião.
Há homens que deixam fisicamente a sua marca na história. Outros deixam sua marca na memória espiritual de um povo. Outros não deixam marca nenhuma. Monsenhor Roberto Lopes deixou sua insofismável marca física, pelo que construiu de concreto; mas também deixou a indelével marca de sendibilidade e preocupação com o povo.
Para mim, que apenas vivenciou os últimos tempos de sua marcante velhice, restou apenas essa memória que trago comigo, pois na rua que leva o seu nome, muitas vezes brinquei quando criança. Também me movi pela ideia de que um povo se enriquece quando conta a sua história.
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